sábado, 4 de fevereiro de 2012

Ideia do Estudo


Talmud significa estudo. Durante o exílio babilônico, os hebreus, já que o Templo havia sido destruído e que não podiam mais celebrar os sacrifícios, confiaram a conservação da sua identidade não tanto ao culto, quanto ao seu estudo. Torah, no mais, não significava originariamente Lei, mas doutrina, e até mesmo o termo Mishnah, que indicava a compilação de leis rabínicas, provinha de uma raiz cujo sentido era antes de mais "repetir". Quando o édito de Ciro permitiu o retorno dos hebreus à Palestina, o Templo foi reconstruído; mas a religião de Israel ficou para sempre marcada pela piedade do exílio. Ao único Templo, onde se celebrava o solene sacrifício cruento, juntaram-se as múltiplas sinagogas, simples lugares de reunião e oração, e o domínio dos sacerdotes foi substituído pela crescente influência dos fariseus e dos escribas, homens do livro e do estudo. Em 70 d.C. as legiões romanas destruíram novamente o Templo. Mas o douto rabino Joahannah ben-Zakkaj, saído sorrateiramente da Jerusalém assediada, recebe de Vespasiano o poder de continuar o ensinamento da Torah na cidade de Jamnia. A partir de então o templo não foi mais reconstruído e o estudo, o Talmud, torna-se assim o verdadeiro templo de Israel.
Entre os legados do judaísmo há, portanto, também essa polaridade soteriológica do estudo, própria de uma religião que não celebra o seu culto, mas dele faz objeto de estudo. A figura do estudioso, respeitada em toda tradição, adquire assim um significado messiânico desconhecido do mundo pagão: uma vez que o que está em questão em tal figura é a redenção, a sua pretensão confunde-se com a do justo pela salvação.
Mas, com isso, ela se carrega de tensões contraditórias. De fato, o estudo é em si interminável. Quem quer que tenha conhecido as longas horas de vagabundagem entre os livros, quando qualquer fragmento, qualquer código, qualquer inicial parece abrir uma nova via, logo abandonada por um novo encontro, ou quem quer que tenha provado a labiríntica e ilusória "lei da boa vizinhança" a que Warburg tinha submetido a organização da sua biblioteca, sabe que o estudo não apenas não pode ter fim, mas nem mesmo deseja tê-lo. Aqui a etimologia do termo studium faz-se transparente. Ela remonta a uma raiz, st- ou sp-, que indica os embates, os choques. Estudar e espantar-se são, nesse sentido, aparentados: quem estuda está nas condições de quem se espantou e permanece estupefato diante daquilo que o chocou, sem disso conseguir sair e, ao mesmo tempo, impotente para disso se liberar. O estudioso é também, portanto, sempre um estúpido. Mas se por um lado ele fica assim perplexo e absorto, se o estudo é essencialmente sofrimento e paixão, por outro a herança messiânica que ele carrega consigo incita-o incessantemente à conclusão. Esta festina lente, esta alternância de estupor e lucidez, de descoberta e de perda, de paixão e de ação é o ritmo do estudo.
Nada de mais símile a isso do que a condição que Aristóteles, contrapondo-a ao ato, define "potência". A potência é, de um lado, potentia passiva, passividade, paixão pura e virtualmente infinita, e de outro, potentia activa, tensão irrefreável ao cumprimento, passagem ao ato. É por isso que Filão compara a sabedoria realizada com Sara que, sendo estéril, instiga Abraão a unir-se a sua serva Hagar, isto é, ao estudo, para poder gerar um filho. Mas, uma vez fecundado, o estudo é mais uma vez confiado a Sara, que é sua patrona. E não é por acaso que Platão, na Sétima Carta, serve-se de um verbo aparentado a estudar (σπουδαζω) para indicar a sua relação com aquilo que mais lhe preza: somente depois de um longo período de estudo e proximidade junto aos nomes, definições e conhecimentos produzem na alma a centelha que, inflamando-a, assinala a passagem da paixão ao cumprimento.
Isto explica também a tristeza do estudioso: nada é mais amargo do que uma prolongada demora na potência. E nada mostra tão bem a inconsolável tristeza que pode derivar desta incessante procrastinação do ato do que a melancholia philologica que Pasquali, fingindo transcrevê-la do testamento de Mommsen, coloca como cifra enigmática da própria existência do estudioso.
O fim do estudo pode eventualmente jamais ser alcançado - e, nesse caso, a obra permanece para sempre no estado de fragmento e de fichamentos - ou, ainda, coincidir com o momento da morte, no qual o que parecia uma obra cumprida revela-se simples estudo: é o caso de S. Tomás que, pouco antes da morte, confia em segredo ao amigo Rinaldo: "chega o fim da minha escritura, já que agora me foram reveladas as coisas em relação as quais tudo o que escrevi e ensinei me parecem sem importância e, por isso, espero que com o fim da doutrina venha rápido também o fim da vida".
Mas a última e mais exemplar encarnação do estudo na nossa cultura não é a do grande filólogo nem a do santo doutor. É, muito mais, o estudante tal como aparece em certos romances de Kafka ou Walser. O seu protótipo está no estudante de Melville, que passa a vida em um quarto baixo "em tudo similar a uma tumba", com os cotovelos apoiados nos joelhos e a cabeça entre as mãos. E a sua figura mais extrema é Bartleby, o escrivão que parou de escrever. Aqui a tensão messiânica do estudo está invertida ou, mais, está além de si mesma. O seu gesto é o de uma potência que não precede o ato, mas que lhe segue deixando-o sempre para trás; de um Talmud que não apenas renunciou à reedificação do Templo, mas definitivamente o esqueceu. (Estes estudantes estudam como, depois do fim dos tempos, no limbo, poderiam estudar as crianças não batizadas ou os filósofos pagãos que não têm mais nada a esperar nem do futuro nem do passado.) Com isso, o estudo libera-se da tristeza que o desfigurava e retorna à sua mais verdadeira natureza. Esta não é a obra, mas a inspiração, a alma que se alimenta de si própria.

Giorgio Agamben. Idea dello Studio. In.: Idea della Prosa. Macerata: Quodlibet, 2002. pp. 43-45. (Trad.: Vinícius Nicastro Honesko).

Imagem: Pieter Codde. Jovem estudante em seu estúdio: melancolia. 1630. Musée des Beaux-Arts, Lille.

Um comentário:

  1. muito inspirador para este momento de perigo e angústias "de fechamento" de uma tese!

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