Sem a filosofia, sem a literatura, o mundo continuará sua marcha desenfreada
O fluxo da rodovia não necessita de Aristóteles, Kant ou Kierkegaard.
Tampouco a perambulação do cambista pai de duas meninas, morador de Parelheiros
Ninguém espernearia e arrancaria os cabelos se Max Brod, antes mesmo de se tornar o amigo célebre, tivesse comprado um galão de gasolina e riscado um mísero palito de fósforos.
Os asfaltos sem flor, as esquinas e seus anônimos apressados não verteriam lágrimas por um Drummond eternamente "deletado".
E se o filho de Fenareta tivesse sido morto na guerra do Peloponeso, ou por uma meningite na primeira infância, a filosofia socrática - nem Platão, nem Antístenes, Xenofonte ou Diógenes de Sínope - não faria falta a ninguém.
Nem as bibliotecas sentiriam a ausência de um Borges que na juventude optou pela alfaiataria.
Kafka, Kant, Drummond, Rosa... etc. Produtores de inutensílios - de excessos inutilizáveis (felizmente!). O problema básico da cultura é que seu extermínio pode ser silencioso, não são necessárias bombas nem derramamento de sangue.
A perplexidade surgiu depois de perceber que, na tarefa inglória de ser professor "da área de humanidades" para uma turma de técnicos, a incompreensão que estes possam ter de Montaigne ou Voltaire não mudará em nada suas vidas - talvez até os torne mais "felizes", mais "aptos" e obstinados para aquilo em que estão se "aperfeiçoando".
É como se Voltaire simplesmente não tivesse escrito nada, como se Montaigne tivesse se recolhido ao seu castelo e extraviado todos os seus manuscritos. Tanto faz se Brod queimou ou manteve intactos os textos de Kafka!
Não podemos amar a mulher que nem chegamos a conhecer. Isso não altera em nada nossas vidas. Conhecê-la talvez seria a "porta para outra vida nesta mesma vida". Mas, até aí, tudo paira na potencialidade, neste magma de virtualidades e consumações que formam o mundo.
Neste duro e espinhoso calvário que se tornou a terra, o pensamento é uma frágil bolha de sabão.
O silêncio destes espaços filisteus, cada vez mais vastos e desérticos, me apavora.
Kafka, Kant, Drummond, Rosa... etc. Produtores de inutensílios - de excessos inutilizáveis (felizmente!). O problema básico da cultura é que seu extermínio pode ser silencioso, não são necessárias bombas nem derramamento de sangue.
A perplexidade surgiu depois de perceber que, na tarefa inglória de ser professor "da área de humanidades" para uma turma de técnicos, a incompreensão que estes possam ter de Montaigne ou Voltaire não mudará em nada suas vidas - talvez até os torne mais "felizes", mais "aptos" e obstinados para aquilo em que estão se "aperfeiçoando".
É como se Voltaire simplesmente não tivesse escrito nada, como se Montaigne tivesse se recolhido ao seu castelo e extraviado todos os seus manuscritos. Tanto faz se Brod queimou ou manteve intactos os textos de Kafka!
Não podemos amar a mulher que nem chegamos a conhecer. Isso não altera em nada nossas vidas. Conhecê-la talvez seria a "porta para outra vida nesta mesma vida". Mas, até aí, tudo paira na potencialidade, neste magma de virtualidades e consumações que formam o mundo.
Neste duro e espinhoso calvário que se tornou a terra, o pensamento é uma frágil bolha de sabão.
O silêncio destes espaços filisteus, cada vez mais vastos e desérticos, me apavora.
Imagem Peter Marlow
Parece-me que o diagnóstico é ainda mais cruel: para a maior parte dos seres humanos, o mundo continua, ao arrepio de literatura e filosofia, todos os dias. Não é que ele "continuará" ou "continuaria", mas um imperativo, como nos mostra o pai das crianças de Parelheiros. Literatura e filosofia se encontram abolidas para nove entre dez pessoas... o que sua mãe, seu pai, seus tios, seu vizinho do lado, sabem sobre Drummond (isso para não irmos a Kafka)? Apesar disso a vida prossegue... talvez por isso essa vida seja tão fabianamente vivida. Literatura, filosofia e história abrem portas sequer imaginadas. Ontem mesmo, tentando responder à questão "O que é filosofia?" para um trabalho da escola, minha mãe, diante do texto de Marilena Chauí que lhe passei, perguntou: "Mas esse Pitágoras era brasileiro?" Ela que não sabe de Kafka, de Borges ou de Homero, está abrindo portas, expandindo os modos de pensar o mundo.
ResponderExcluirExcelente pílula, Mocho!