Na montagem há uma ordem pré-estabelecida de modo pragmático pela prática. Como, de outro modo, há uma ordem romanesca no contar uma história oralmente ou por escrito. Essa ordem corresponde, portanto, à ordem trazida pela morte sobre uma vida. Desejar-se-ia que tal ordem fosse tranquilizadora, naturalmente: e então a média de quem trabalha no cinema ou no romance é fixadora, isto é, tende a valorizar de modo definitivo e sagrado as normas da ordem, assim como gostaria que fosse definitiva e sagrada a ordem da própria vida depois da morte. Mas, infelizmente, os modos da ordem são infinitos. A alternativa, a partir da qual de qualquer modo não podemos escolher, é: ser imortais e inexpressivos ou exprimir-se e morrer. Mas como exprimir-se? Isso é, a que ponto e em que modo, com quais leis, fazer intervir a fixação da morte?
Assim há o dilema de como morrer. Há quem prefira morrer no próprio leito, tranquilamente, com todos os familiares ao redor, talvez o padre, e uma atmosfera de luto, mas quase doce e firme. E há quem prefira morrer torturado. Toda violação da norma é uma violação do próprio pudor; é, portanto, um ato sado-masoquista. Quando um diretor, montando um filme, tem um ato anti-tradicional e escandaloso, parece querer dizer: "Eis-me nu e torturado; a emoção que provo transgredindo a norma é a emoção que provo morrendo dessa maneira". Há exibicionismo em todo ataque falsamente enganado. Os longuíssimos e exasperantes planos-sequências de Godard são um desafio à morte; de fato, duas pessoas podem estar tagarelando diante de uma máquina de lavar roupas por duas horas: a vida tem esses triunfos e pode perder-se assim, sobretudo quando se é jovem. Godard não pode ficar duas horas diante de dois jovens que conversam numa lavanderia, mas cinco minutos ou pouco mais é que pode permanecer firme e imóvel com os seus meios de reprodução audiovisuais da realidade, e esses cinco minutos são cinco minutos roubados da morte e concedidos sem nada em troca à vida, àquela vida "natural" que transcorre e transcorre preguiçosamente, totalmente feita de coisas ínfimas e físicas, de uma infinidade de momentos irrisórios e puramente presentes. Um plano-sequência exasperado de Godard é, portanto, um desafio à morte e uma concessão (de âmbito pós-neo-realístico ou pós-rosselliniano, como se queira) ao Dasein, ao ser, à vida vital: mas, ao mesmo tempo e sobretudo, quer dizer: "Olhai que longa tortura, olhai como lentamente me faço morrer, ensanguentado e com as pudendas descobertas!". As transgressões à ordem convencional da montagem como regra narrativa são sintomas de um profundo desejo de autodestruição, de tanatofilia como desejo de anulação.
Comecei de trás para frente e analisei sobre minha descomposta mesa de laboratório um plano-sequência usado na montagem com valor abnorma (arrítmico, assimétrico e exasperado); quando deveria ter começado pelo uso regular do plano-sequência.
O uso regular do plano-sequência comporta uma poética: naturalística, crepuscular ou estetizante. Foi típico do neo-realismo italiano em De Sica, Castellani, Visconti. Nos dois primeiros, é naturalista-crepuscular, e no segundo estetizante (tenha-se em conta que os "atos" de uma representação teatral são longos planos-sequências que reproduzem os planos-sequências naturais por meio de outras regras que não o cinema: serem teatrais no cinema é, portanto, paradoxalmente equivalente a serem naturalistas!). A ligação é o seu estetismo. Até Eisenstein, o rei da montagem, esse desagradável diretor que odiava homens e mulheres, nos seus breves planos-sequências é teatral e, certamente, nunca realista: justamente para a sua visão inumana e estetizante da realidade e dos seus protagonistas, os homens.
Se nos planos-sequências naturalísticos celebra-se o triunfo da vida, a sua indiferenciada e incessante presença, a sua poesia direta, isto é devido, no caso do neo-realismo, também àquilo que Kosic chama a "religião da vida quotidiana", oposta dialeticamente, como situação existencial, à guerra. Assim que terminada uma guerra, era mais que humano que a "religião da vida quotidiana" fosse cantada sobretudo no cinema, que é a língua escrita da realidade, que reproduz a realidade, exprimindo-se com ela. A vida assim se apresentava, através dos planos-sequências, como pungente e coletiva, algo para se acompanhar, no ruído, no riso, no pranto, no bom senso, na anônima luz dos dias de paz.
O MEDO DO NATURALISMO
Por que tanto medo do naturalismo?
O cinema demonstra que não é preciso tê-lo. E, ainda mais, naturalista é a vida: enquanto vivo, isto é, enquanto estou aqui, diante desta máquina de escrever sobre cujo teclado bato selvagem e mecanicamente, estou imerso no naturalismo até os olhos. Agora, e estudando o cinema a coisa torna-se extremamente compreensível, como em um experimento de fenômenos criados de propósito em laboratório, está absolutamente claro que não há nenhuma diferença entre a vida e a sua representação. O momento naturalístico da vida, que é ligado ao seu inevitável estar presente, é destruído e frustrado - ou melhor, ordenado e tornado significativo - pela morte e, enquanto não morrermos, a linguagem da nossa ação terá um limite naturalístico e será presente. Agora, na nossa arte, não fazemos outra coisa que representar a realidade: e essa representação é apenas uma antecipação da morte. Toda vez que um poeta escreve uma poesia ou um diretor faz um filme, morre. Isto é, ele torna-se montador, e a montagem é exatamente a transformação do presente em passado.
Pier Paolo Pasolini. Appendice a "Empirismo eretico". In.: Saggi sulla Letteratura e sull'Arte. Tomo primo. a cura di Walter Siti e Silvia De Laude. Milano: Mondadori, 2008. pp. 1671-1674. Tradução: Vinícius Nicastro Honesko.
Nenhum comentário:
Postar um comentário