segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Pequeno parágrafo sobre o olhar


Mergulhar em olhos penetrantes respirando o escasso ar de um momento em que imagens, mais do que corpos, tocam-se num espaço irreal, porém, palpável. Eram olhos cujas íris, ritmadas pelo pulsar das pupilas, mostravam-se como caleidoscópios cintilantes em movimentos que me embaraçavam e me faziam titubear à espera do próximo piscar. Instantes efêmeros nos quais a agonia do fim era também a espera por um novo começo. A cada piscar, o caleidoscópio girava no ritmo das pupilas. A pouca e pálida luz do abajur era, mais do que iluminação, trilha sonora ao caleidoscópico giro em que me perdia. Sempre adorei abajures e suas condições de acalentadores de cantos. Ali, naqueles olhos, a luz de abajur era a guia de Íris e, por consequência, dos meus devaneios. Um lance de sorte, somente um lance de sorte e nada mais: eis a concepção mais precisa do instante impreciso em que olhos se perdem uns nos outros. Olhares nada mais são do que a troca de imprecisões das máquinas de iludir que são nossas íris. Pensamos que elas são apenas o mais bonito dos músculos, cuja função é controlar a luz para que possamos ver com clareza. Tolos, não nos damos conta de que ela é o espectro por excelência, de que é a responsável pelas ligações entre o céu e a terra, a vigília e o sono, os ínferos e os deuses. Diante da sua beleza os homens tentaram constituir alianças infinitas, acreditaram na eternidade e em promessas divinas, porém, como que iludidos, esqueceram-se de que infindáveis são suas imagens, mas ínfimos os segundos em que nelas, íris, podem se perder.

Imagem: Pierre-Narcisse Guérin. Morfeu e Iris. 1811. Museu do Hermitage, São Petersburgo.

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