Entre a beleza e a sensualidade existe uma diferença (uma diferensa, para os derridianos). Uma mulher a caminhar pode resplandecer sua beleza, carregar as dobras do tempo que lhe formam as formas belas, iluminar seu caminho com as luzes e cores de seu corpo, deixar um rastro de perfume que destoe dos cheiros à volta. Porém, nada disso pode ser dito sensualidade. Do serpentear do corpo, do movimento roubado às serpentes e nomeado, como fizera o ser barroso diante das coisas que o deus absconditus havia criado, a mulher só pode ser sensual, ter (uma apropriação do inapropriável) sua sensualidade como algo que não pode ser dito uma qualidade (não há o predicado "ser sensual"). Não há como dizer, num discurso significante, a sensualidade de uma mulher; não há como uma mulher dizer-se sensual. Aquele "q" que atrai o olhar, aquela inocência-culpada (da mesma ordem do par lacaniano amor-ódio) do corpo que passa serpenteando como se o tempo lhe fosse um adereço, parece ser sempre algo que escapa ao que pode ser dito, ao que pode ser compreendido. Não parece haver uma conquista da sensualidade; não parece haver uma consciência da sensualidade. Uma mulher pode saber-se bela, pode ter consciência de sua beleza, porém nunca pode conseguir compreender a própria sensualidade, nunca pode saber (ter ciência dos predicados de sua existência) até que ponto seu corpo pode exalar aquele "q" que é capaz de fazer calar, de fazer esbarrar as bordas da linguagem (como diria Derrida). Hoje, nos tempos do alto capitalismo (pernicioso ao ponto de tudo pensar saber e compreender, para então esse tudo vender) parece que toda sensualidade pode ser descrita, escrita, no corpo, como se fosse apenas uma característica (um predicado) de um corpo que jaz sob os céus da história (um simples dado constatável, um algo apreensível pela linguagem). Porém, diante da beleza do corpo feminino, talvez o único elemento de teologia negativa em toda esta malfadada tentativa de texto (que é só pre-texto), seja a sensualidade um post-scriptum: uma assinatura indecifrável que, entretanto, permanece ali, sempre por ser escrita sem jamais poder ser escrita, sem jamais poder ser dita na linguagem; aquela mulher é sensual na medida em que continua sensual, em que a ela não escapa a própria (inapropriável) sensualidade. Lançada à existência, aos ventos do tempo histórico, uma mulher sensual (como, em certa medida, todo corpo sensual) é sempre inconsciente (como é inconsciente - é incapaz de dizer - quem a vê) de um segredo que seu corpo conhece em todos os pormenores.
Imagem: Agostino Carracci. As três Graças. Städelsches Kunstinstitut, Frankfurt
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