segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Ideia da Vocação


A que é fiel o poeta? Já que certamente está em questão algo que não pode ser fixado em proposições ou memorizado em profissões de fé. Mas como se pode conservar uma fidelidade sem nunca formulá-la, nem mesmo a si próprio? Ela deveria, a cada momento, sair da mente no instante mesmo em que se a afirma.
Um glossário medieval assim explica o sentido do neologismo dementicare (esquecer), que passara a ser usado para substituir o termo literário oblivisci: dementicastis: oblivioni tradidistis. O esquecido não é simplesmente apagado, deixado à parte: ele é consignado ao esquecimento. No seu modo mais puro, o esquema dessa informulável tradição foi exposto por Hölderlin quando, nas notas à tradução do Édipo de Sófocles, escreve que o deus e o homem, "a fim de que a memória dos olímpicos não desapareça, comunicam na forma, esquecida de tudo, da infidelidade".
A fidelidade àquilo que não pode ser tematizado, e nem mesmo simplesmente silenciado, é uma traição de caráter sagrado, na qual a memória, girando subitamente como um redemoinho, descobre o fronte nevado do esquecimento. Este gesto, este abraço invertido de memória e esquecimento, que conserva intacta, no seu centro, a identidade do que é imemorial e inesquecível, é a vocação.

Giorgio Agamben. Idea della vocazione. In.: Idea della Prosa. Macerata: Quodlibet, 2002. p.27. (Tradução: Vinícius Nicastro Honesko)

Imagem: Tiziano Vecellio. Maria Madalena. 1532. Galleria Palatina, Firenze.

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