Falo aqui de experiências de um passado que se recria no presente, este tempo em que, parece, a vida faz morada sem por nada esperar. Mas por vezes confundo os tempos e chego a duvidar de experiências, de passados, de futuros e de presentes dados ou recebidos, vividos ou deixados num canto esquecido da memória (e aí remexo as cartas e novamente as entrego à moça que lê minha vida num baralho de tarô). Tenho ganas de escrever, tenho ganas de escrever, mas não me vêm as palavras, não me vêm as palavras! Essas coisas fugidias e ariscas como as primeiras aves que devem ter surgido nos céus pós-edênicos (neste nosso paradise lost que chamamos mundo). Fogem as palavras para seus recônditos cantos, que talvez são os cantos dos pássaros que acabo de mencionar. E se os menciono, são as palavras que me vêm, ou os próprios pássaros de outros tempos que remexem o meu tempo sem palavras? E que tempos e que palavras? E que cantos que encantam tanto são esses que os pássaros nos fazem ouvir? Não têm palavras, não têm palavras! Boto para fora do meu peito um grito nostálgico (de que tempo?) sem nenhuma palavra e penso que esse meu som desesperado pode suprir meu desejo de escrever. Mas qual experiência quero ter da minha língua que não seja já-sempre minha prisão nesta cadeia de coisas ditas ou por dizer ou desditas? E por que, ao mesmo tempo (em todos os tempos) sinto as palavras faltarem, mesmo que elas jamais faltem?!? Por que exclamo uma falta que não existe mas que é tão presente?!? Por que a agonia diante destas coisas que chamamos letras?!? Não há como reaprender a falar, uma fala outra, pois a condenação já nos foi dada: falamos mesmo ali onde as palavras faltam... e o canto do pássaro pós-edênico agora parece afastar-se e meu grito, aqui, neste deserto, engole todo meu silêncio e todas minhas palavras, estas coisas que são e não-são, que estão justo quando faltam...
Imagem: Alessandro Allori. Alegoria da vida humana. 1570-90. Galleria degli Uffizi, Firenze.
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