sábado, 31 de março de 2012

Kafka defendido dos seus intérpretes



Sobre o inexplicável circulam as mais variadas lendas. A mais engenhosa - que foi encontrada pelos atuais guardiões do Templo ao remexerem nas velhas tradições - explica que, sendo inexplicável, ele permanece como tal em todas as explicações que dele são e continuarão a ser dadas durante os séculos. Exatamente essas explicações constituem a melhor garantia da sua inexplicabilidade. O único conteúdo do inexplicável - aqui está a sutileza da doutrina - consistiria no comando - verdadeiramente inexplicável -: "explica!" Não podemos escapar dessa ordem, porque ela não pressupõe nada de explicável, mas é ela mesma o único pressuposto. O que quer que se responda ou não se responda - portanto, até o silêncio - será de todo modo significativo, conterá uma explicação.
Os nossos ilustres pais - os patriarcas -, não encontrando nada para explicar, procuraram em seus corações como poderiam exprimir este mistério e não encontraram, para o inexplicável, nenhuma expressão mais adequada do que a própria explicação. O único modo - eles argumentaram - para explicar que não há nada para explicar é dar explicações disso. Qualquer outra atitude, compreendido o silêncio, agarra o inexplicável com mãos demasiadamente desajeitadas: somente as explicações o deixam intacto.
Entre os patricarcas, que foram os primeiros a formular esta doutrina, ela andava, no entanto, inseparavelmente conjugada a um codicilo, que os atuais guardiões do Templo, ao contrário, deixaram cair. Ele especificava que as explicações não seriam eternamente duradouras e que um dia, que chamavam "dia da Glória", elas iriam colocar fim às suas danças ao redor do inexplicável.
De fato, as explicações são apenas um momento na tradição do inexplicável: o momento que o guarda, deixando-o inexplicado. Privadas de conteúdo, as explicações exaurem assim a sua tarefa. Mas no ponto em que, mostrando a própria vacuidade, elas o deixam ir, também o inexplicável vacila. Inexplicável, na verdade, eram apenas as explicações, e para explicá-las é que foi inventada a lenda. Aquilo que não era para ser explicado está perfeitamente contido naquilo que não explica mais nada.


Giorgio Agamben. Kafka difeso dai suoi interpreti. In.: Idea della prosa. Macerata: Quodlibet, 2002. pp. 127-128. (tradução: Vinícius Nicastro Honesko)

Imagem: Hieronymus Bosch. A morte e o avarento. 1490. National Gallery of Art, Washington.

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