quarta-feira, 14 de março de 2012

Tempo e palavra


As palavras são alforjes carregados com a matéria do tempo - e o vai e vem inusitado dos significados, bem como o espaço vazio dentro delas, às vezes é, ao mesmo tempo, a única matéria sólida e insólita que podemos tocar. Desse toque surgem as expectativas das reminiscências e as perspectivas de futuro e um jogo incauto que leva quem nele entra às portas de um delírio fantasmático, que nada mais é que a constante e única experiência que nós, seres de palavras, fazemos do presente. Esse jogo de azar - que, como diria Benjamin, tem o fascínio de liberar as pessoas da espera - é o mesmo que experimentava Blanqui - como lembra o mesmo Benjamin - escrevendo desde sua cela em Fort du Taureau: "O universo inteiro é composto de sistemas estelares. Para criá-los, a natureza tem apenas cem corpos simples a sua disposição. Apesar da vantagem prodigiosa que ela sabe tirar desses recursos, e do número incalculável de combinações que eles oferecem à sua fecundidade, o resultado é necessariamente um número finito, como o dos próprios elementos; para preencher sua extensão, a natureza deve repetir ao infinito cada uma de suas combinações originais ou tipos. / Todo astro, qualquer que seja, existe portanto em número infinito no tempo e no espaço, não apenas sob um de seus aspectos, mas tal como se encontra em cada segundo de sua duração, do nascimento à morte. Todos os seres distribuídos em sua superfície, grandes ou pequenos, vivos ou inanimados, partilham o privilégio dessa perenidade. / A terra é um desses astros. Todo ser humano é, pois, eterno em cada um dos segundos de sua existência. O que escrevo neste momento, numa cela do Fort du Taureau, eu o escrevi e o escreverei por toda a eternidade, à mesa, com uma pena, vestido como estou agora, em circunstâncias inteiramente semelhantes. Assim para cada um. / Todas essas terras se abismam, uma após a outra, nas chamas renovadoras, para delas renascer e recair ainda, escoamento monótono de uma ampulheta que se vira e se esvazia eternamente a si mesma. Trata-se do novo sempre velho, e do velho sempre novo." As palavras, também elas, esses vazios alforjes elegantes, entram no jogo de azar da existência humana. Perdidos em meio ao vazio das palavras, nós, viciados jogadores, cremos não esperar enquanto jogamos, mas, ao perceber o movimento do jogo, irremediavelmente sabemos que tempo e palavra são as medidas de nossa eterna espera.

Imagem: Pieter Bruegel. O triunfo da morte. (detalhe). 1562. Museo del Prado, Madrid.

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