quarta-feira, 18 de abril de 2012

Pequeno parágrafo sobre os segundos



Chronos só se conta em segundos porque os primeiros já foram devorados. Só os primeiros sabiam que o tempo tinha que ser atravessado e não contado. Aliás, as contas dos segundos, paradoxais e inexatas, fazem-nos contar ainda algo do tempo dos primeiros, algo este que, ainda assim, chega-nos a todo instante pelo hálito aureolado do monstro devorador de primeiros. Sentimos seu batimento cardíaco, o calor exalado pelo seu corpo, sua áspera mão que nos toca o rosto a cada alvorecer, mas o que nos faz contar coisas dos primeiros é aquele hálito de morte. Deixar-se tocar por Chronos é saber-se para além das certezas das contas segundas (em segundos), mesmo que isso implique a melancolia do instante primeiro. Os primeiros instantes, não mais os segundos, retornam agora regurgitados pelo divino tempo. Primeiros suspiros, primeiras vozes... agora, neste agora, há somente o passo das contas do passado e nenhum segundo a mais a ser contado.

Imagem: Paolo Veronese. Saturno e História. 1560-1561. Afresco na Villa Barbaro, Maser (Italia).

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