quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Do diário de Lisboa (II)



"Distribuímos hábeis pseudônimos para dissimular. Por que preservamos nossos nomes? Por hábito, exclusivamente por hábito. Para passarmos despercebidos. Para tornarmos imperceptível, não a nós mesmos, mas o que nos faz agir, experimentar ou pensar." Deleuze/Guatarri (Mil Platôs, capitalismo e esquizofrenia. Vol. I. Ed. 34. p. 11). 

Por que a máscara nesta deriva virtual? As flanagens são as protagonistas, não somos nós, famintos eus, a caminhá-las. Elas nos atravessam, passeiam-nos. 


A beleza dos heterônimos de Pessoa está na criação de mundos pela linguagem. Isso pode parecer muito trivial. Mas Fernando acertou quando disse que Alberto, Álvaro, Ricardo ou Bernardo talvez fossem mais reais que ele mesmo. Visto em retrospectiva, Fernando também se metamorfoseou, na mágica da alquimia literária, em um simples nome. Da vida alguns nomes e insígnias permanecem, como estórias e fabulações. No mundo da linguagem, o menor e menos aparente de todos os entes (Górgias) e, de todos os artifícios humanos, o mais permanente, bem poderia ter sido Álvaro de Campos a sonhar com o escrivão Pessoa flanando entre o Chiado e o Campo de Ourique. 

Triste é saber que a memória da pessoa de carne e ossos, com suas manias, desejos, sonhos, pequenas mesquinharias, quartos de pensão, amores e amigos, é irrecuperável. Triste é saber que nenhum bibliógrafo, mesmo se pudesse recorrer a todas as fontes, conseguirá recuperar integralidade de um mero instante banal, nem uma conversa de boteco, daquele que efetivamente viveu. A literatura e a história sobrevivem, respectivamente, tão-somente dos excrementos do real: o engodo e o boato.   


Imagem: a mesa em que F.P., A.Caeiro, A. Campos escreveu(ram), em pé, os poemas d'O Guardador de Rebanhos - em uma noite febril - ou Tabacaria, no quarto alugado onde passou(ram) seus últimos dez anos de vida, no bairro Campo de Ourique. Jnf.   

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