Aparecem sonhos, vozes, esqueletos de um sono atroz. Tudo parece rodar nas maltrapilhas vozes insolentes da última amada, aquela encontrada na lista telefônica dos rincões mais sórdidos. Dançam os sons no ritmo das vozes: crueldade, abandono, solidão. São vozes e nada mais. Fantasmas que abusam do sonho em que lhes possibilitei entrar. Ah, vida antiga!, ah, sóis dos dias quentes! Como um tolo sondei a vida de outrora; como um tolo pensei sonhar como um sonhador. São só sombras, espectros que emergem dos solilóquios mais sombrios. Era eu a falar ainda há pouco? Ou eram as vozes dos meus fantasmas, das minhas sombras, desta insistente vida jamais vivida? Entorno meu copo, mais um e nenhum mais. Mas já é tarde, as vozes voltam quentes e pesadas, como o último réquiem à última amante. São as teias de uma amarga espera, são as palavras que se soltam em meio à bebedeira. Quase em prantos, relaxo e tento olhar para a foto de uma antiga amada. Mas o que é o amor senão um sopro de segundos? Nada dura senão como desejo e, assim, nada dura nada. Sobras de uma noite in veritas, rastros de alguém que passou por este meu eu. Sonho? Talvez... inerte, pesado, imundo. E sobra-me a voz de Ana Cristina César, perdida em algum lapso de sono: "Não volto às letras, que doem como uma catástrofe. Não escrevo mais. Não milito mais. Estou no meio da cena, entre quem adoro e quem me adora. Daqui do meio sinto cara afogueada, mão gelada, ardor dentro do gogó. A matilha de Londres caça minha maldade pueril, cândida sedução que dá e toma e então exige respeito, madame javali. Não suporto perfumes. Vasculho com o nariz o terno dele. Ar de Mia Farrow, translúcida. O horror dos perfumes, dos ciúmes e do sapato que era gêmea perfeita do ciúme negro brilhando no gogó. As noivas que preparei, amadas, brancas. Filhas do horror da noite, estalando de novas, tontas de buquês. Tão triste quanto extermina, doce, insone, meu amor."
Imagem: Alex Webb. Bêbado. Merida, 1983.
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