quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Pequeno parágrafo sobre a saudade


Se todas as cores do mundo pudessem ser vistas de uma só vez, não haveria lugar melhor para isso do que um olhar perdido em devaneios. A luz perdida nos olhos me faz perceber uma obtusa lógica da saudade. Mas, de pronto, percebo que nada é mais tolo do que sacar uma razão aí onde a desrazão encontra seu lugar absoluto. Todas as cores e nenhuma delas, todos os sonhos e uma tela em branco, todas as palavras à disposição e nenhum verso escrito. Os sonhos de um poeta marginal jamais se deixarão pintar e, em tais sonhos, apenas uma saudade doce devora o poeta. Ele só quer perceber as luzes da perdição, as luzes desse vazio (e não seria isso devanear?) que o preenche. Busca inspiração na saudade, mas logo percebe que o rosto que desenharia já lhe é de todo desconhecido. Pensa em escrever uma carta, e se dá conta de que jamais conseguiria endereçar algo a alguém. Resta-lhe aquela obtusa lógica e, com ela, seus passeios por esse vazio ao qual se dá o nome saudade...

Imagem: Johannes Vermeer. Mulher escrevendo um carta com sua empregada. 1670. National Gallery of Ireland, Dublin.

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