terça-feira, 1 de junho de 2021

A prevenção. O panfleto sobre o fascismo do anarquista Luigi Fabbri



 

Andrea Cavalletti

Bolonha, 20 de novembro de 1920: os socialistas venceram mais uma vez as eleições e o maximalista[1] Enio Gnudi está pronto para assumir; a cerimônia iria transcorrer no dia seguinte. Porém, chega à delegacia um pequeno manifesto, que também é afixado pelos fascistas em todas as esquinas: recomendam que as crianças e as mulheres fiquem distantes do centro e das ruas principais, prometem uma batalha. O que acontece no dia 21 é conhecido, assim como o que aconteceu na cidade e na região interiorana da Emília Romana: sobre isso, é certo, fala Angelo Tasca em seu famoso livro; mas em 1922, muito antes de Naissance du fascisme,[2] publicado em Paris (1938), e também antes que a editora Mondadori publicasse O massacre do Palazzo d’Accursio,[3] de Vico Pellizari (1923), o episódio tinha estado no centro do “ensaio de um anarquista sobre o fascismo”, cuja publicação pela editora Cappelli foi organizada por Rodolfo Mondolfo: era A contrarrevolução preventiva, de Luigi Fabbi, autêntica obra-prima de lucidez política que hoje reaparece, preparada de modo admirável pela Assembleia Antifascista Permanente de Bolonha, pela Edições Zero in Condotta.

Nascido em Fabriano em 1877, amigo de Malatesta, preso e identificado como anarquista já com dezessete anos, autor de vários panfletos e de uma crítica ao leninismo, Ditadura e revolução, várias vezes vítima de agressões por parte das esquadras fascistas, Fabbri, que então ensinava em Corticella, é uma testemunha muito próxima e aguda daqueles dias:

“(...) depois do início pacífico da cerimônia na sala comunal, aparece[m] na sacada voltada para a praça o prefeito (...) e as bandeiras vermelhas, e em suas direções foram disparadas as primeiras rajadas. A tragédia começou imediatamente. Todos os que tinham armas, incluindo a força pública, começaram a disparar como loucos; foram lançadas bombas, e no interior da Prefeitura, na sala, entre as balas que entravam pelas janelas quebrando vidros e quadros, os gritos, a confusão mais apavorante, houve aqueles que perderam completamente a cabeça (...) e acrescentaram tragédia à tragédia, disparando contra os bancos da minoria" (onde se sentavam os fascistas).

O veterano nacionalista Giulio Giordani foi morto. Entre os socialistas morreu uma dezena de pessoas, foram quase sessenta os feridos. Mas se por um lado Giordani se torna o símbolo da "redenção da Itália”, por outro, também se torna o da “violência vermelha". As esquadras fascistas não tinham mais obstáculos.

Fabbri, por sua vez, observava: “Em política tem razão quem vence, mesmo se está errado (...) é fato que em 21 de novembro foi uma vitória fascista; a responsabilidade dos fascistas nos acontecimentos não diminui em nada sua vitória, aliás, a aumenta. Estar errado e vencer é, substancialmente, no terreno realista, vencer duas vezes...". E Bolonha, cidade de Zanardi,[4] o “prefeito do pão", dos spacci comunali[5] e dos preços controlados, do Ufficio Case[6] e das grandes intervenções de escolarização, agora é a cidade de uma derrota traumática e dupla: torna-se o berço do fascismo. E, nesse livrinho atualíssimo que na ocasião os esquadristas tiveram que queimar, torna-se o cenário de uma aguda análise.

Livres das retóricas e das obrigações do partido, os anarquistas, mais do que todos os outros, souberam dizer a verdade. E esta, sabe-se, nunca é politicamente indiferente ou inútil, e não tem apenas efeitos imediatos. Assim, disse a verdade Camillo Berneri, o primeiro a descrever em Mussolini grande ator (1934, mas agora editado pela Spartaco) os contornos do moderno divo das massas, descrevendo a crise do parlamentarismo como transformação espetacular da política. E disse a verdade Luigi Fabbri ao dirigir o olhar para as pequenas mas essenciais mudanças das formações sociais, e estabelecendo não a crônica triste, mas uma verdadeira microfísica do poder fascista. O nascimento do fenômeno novo e brutal se prolonga para ele no passado recente da Europa (a Grande Guerra), mas também se desdobra numa história do momento, feita de cumplicidade e de erros, medos, omissões fatais e cegueiras inadmissíveis. E se o fenômeno fascista revela uma fisionomia única, é porque responde a uma função específica: justamente a “preventiva", que o inscreve na prática securitária e o torna sobretudo um “verdadeiro instrumento de governo”.

É certo que o fascismo gozou desde o início, e em Bolonha em particular, da colaboração da polícia, amplamente empenhada nas prisões dos socialistas, dos anarquistas ou dos simples operários na repressão de todo "complô contra a segurança do Estado". Mas, observa Fabbri, o fascismo também nasce do autoritarismo, das violências das Ligas vermelhas, das extorsões perpetradas por seus dirigentes: onde de fato se pratica a filiação forçada, onde “todo o socialismo consiste em ser organizado para receber mais, (...) para votar para o deputado que defenda os direitos da liga ou para a administração (...) que dê mais trabalho à associação laboral"; nesses casos as massas aceitam por conta própria o líder da liga, “mas nem sempre o amam”; aí, nesse caldeirão de interesses e ressentimentos, estão sendo preparadas inúmeras reviravoltas.

Onde a política é sinônimo de cuidado e segurança, ordem sindical ou policial, aí está o fascismo, como sócio fiel ou possibilidade implícita. Seu nascimento, poderíamos dizer, situa-se no cruzamento de dois dispositivos: o estatal, ou melhor, a proteção violenta da propriedade, e o do sindicato dos funcionários, que afirma e defende outras vantagens. Apesar de sua inimizade aparente, os dois dispositivos têm em comum uma única matriz protetiva-securitária (declinada em nome da Propriedade e do Trabalho), e conspiram juntos. Com o fascismo, sua síntese monstruosa, aparece um sindicato aliado explícito da polícia e que é capaz de prometer, “como as ligas vermelhas, o posicionamento e a defesa dos salários", mas também de manter essas promessas em virtude de suas relações privilegiadas com os patrões. É uma defesa dupla, ambígua (da pequena burguesia em crise, dos operários desempregados, mas também do poder que os explora e ameaça), que será, ao mesmo tempo e necessariamente destrutiva. Dirigido não contra este ou aquele partido, mas por todos os lugares e geralmente “contra a classe operária como classe”, o fascismo logo se revela uma arma desproporcional, um organismo violento que ganha vida própria "e, como tal, não pode aceitar se suicidar, apesar do caráter ilógico de sua situação"; nas margens dos fascistas já enquadrados, cresce com efeito uma massa de simpatizantes, agricultores, lojistas, empregados, jornalistas... massa cinzenta na aparência, mas de todo modo perigosa, “que como todas as massas, uma vez lançada continua avançando sozinha, e não retorna por vontade própria".

Fabbri entregou à tradição política o conceito de contrarrevolução preventiva, o qual, explicam os organizadores, emaranha-se de forma contínua na história do século XX: usado nos anos 30 pelos revolucionários na Espanha, será, por exemplo, retomado por Alexandre Koyré em 1945, quando terá de explicar a especificidade do totalitarismo, também por Daniel Guérin, depois pelo Marcuse de Counterrevolution and Revolt e, por fim, pelo último Debord. Mas Fabbri também mostrou como a prevenção coincide, para o Estado, com a violência sem limites, articulando, na aurora do fascismo, uma verdade irrevogável: "retardada (...) a catástrofe chega, porém tremenda e extremamente maior”. Ele morrerá em Montevidéu em 1935, sem ver até onde o impulso fatal levaria. Mas, nas páginas de seu livro, e naquela multidão obtusa, a Itália ainda pode se espelhar.          

 



[1] N.T.: O Programa de Erfurt, aprovado durante o Congresso do Partido Socialdemocrata da Alemanha (SPD) em 1891, em Erfurt, era dividido em duas partes: o programa máximo e o programa mínimo. Maximalistas eram os socialistas que propunham a realização do programa máximo, qual seja, a tomada de poder por parte do proletariado e a revolução social. Nesse sentido, maximalista tem sempre a conotação de "revolucionário" dentro dessa conjuntura histórica do socialismo.

[2] N.T.: Em 1938, quando publica Nascimento do fascismo, Tasca já está há 12 anos em Paris, para onde emigrou. Além disso, em 1929, em razão de sua oposição ao Stalinismo, foi expulso do – então clandestino – Partido Comunista da Itália.

[3] N.T.: Palazzo d’Accursio é onde fica a sede da prefeitura de Bolonha.

[4] N.T.: Francesco Zanardi foi o primeiro prefeito socialista de Bolonha entre 1914 e 1919.

[5] N.T.: Os spacci comunali, também chamados de negócios de Zanardi, foram armazéns municipais de venda de alimentos criados por Zanardi, em 1914, com o intuito controlar a disparada do preço dos alimentos após o início da Primeira Guerra Mundial.

[6] N.T.: Escritório municipal das casas. Tratava-se de uma secretaria municipal, também criada durante o mandato de Zanardi, responsável pela gestão dos contratos de aluguel na cidade e pela organização das questões sanitárias e de saúde pública ligadas à habitação.

 

Texto publicado pela primeira vez no suplemento Alias, de Il Manifesto, em 20 de março de 2010. Trad.: Vinícius Nicastro Honesko

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