quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Visão do mundo grotesco (in Salò)




A Roberto Piva, desde a visão de Pasolini.

Pensam comer o mais fino patê enquanto, de fato, o que esquentam em seus micro-ondas é tão somente merda ressequida embebida no último gole de vinho do porto que no barzinho da sala estampava-se como decoração; depois do banquete, descem à igreja para entoar salmos ao deus-merda, crendo tratar-se do velho e lunático deus-encarnado excarnado na cruz no caminho de Jerusalém; ele, o velho-jovem lunático, que comia mel, tâmaras, olivas, damascos, agora era confundido com a merda que estes daqui consomem, consomem, para sumir; e consomem os ocos discursos do sacerdote-estrela, que deglute a própria merda e a regurgita para os espectros consumirem, consumirem; a calçada está cheia de pessoas, que nada são senão as máscaras de corpos que somem; as calçadas estão vazias, apenas soltando a fedentina da merda; e ao lado daquele rio lodoso, e que uma vez foi um rio, circulam em duas, quatro, doze, vinte e quatro ou não sei quantas patas emborrachadas os verdadeiros espectros que degustam o líquido preto fruto da merda e dos cadáveres-merda; e por falar em cadáveres, há pouco vi alguns que boiavam no mar de pó de concreto de edifícios que desabam; a ânsia por mostrar os cadáveres; a verdade que é apenas um momento do falso; a vida que corre em desassossego; nada parece impedir os comedores de merda que tanto gozam ao sentir-se vítimas do poder; o câncer que corrói seus corpos como suas próprias enzimas dissolvem a merda que ingerem; as cidades já longe de serem veladas e embalsamadas; a orgia em meio ao grande banquete de merda; sal e gordura a todos; nada de gosto; desgosto; merda.

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