quarta-feira, 1 de agosto de 2007

Resto



* A renúncia ao eu sujeito não é uma renúncia voluntária, no entanto tampouco é uma abdicação involuntária; quando o sujeito se torna ausência, a ausência do sujeito ou o morrer como sujeito subverte toda a frase da existência, tira o tempo de sua ordem, abre a vida à passividade, expondo-o ao desconhecido da amizade que nunca se declara.

* A debilidade não pode ser somente humana, ainda quando é, no homem, a parte inumana, a gravidade do não poder, a leveza descuidada da amizade que não pesa, não pensa - o não pensamento pensante, esta reserva do pensamento que não se deixa pensar.

A passividade não consente, não nega: nem sim, nem não, sem vontade, somente lhe conviria o ilimitado do neutro, a paciência indomada que aguenta o tempo sem resisti-lo. A condição passiva é uma incondição: un incondicional que não ampara proteção alguma, que não alcança destruição alguma, que está fora de submissão como sem iniciativa - com ela, nada começa; alí onde ouvimos a fala sempre já falada (muda) da repetição, aproximamo-nos da noite sem trevas. É o irredutível incompatível, o não compatível com a humanidade (o gênero humano). A debilidade humana a qual nem mesmo se divulga a desgraça, o que nos pasma pelo fato de que a cada instante pertencemos ao passado imemorial de nossa morte - por isso indestrutíveis enquanto sempre e infinitamente destruídos. O infinito de nossa destruição é a medida da passividade.


(BLANCHOT, Maurice. La escritura del desastre. Caracas: Monte Avila Latinoamericana, 1987. p. 32. Tradução: Vinícius Nicastro Honesko)


Encontrar na destrutibilidade humana a sua essência é encontrar nada de humano. A passividade não pode ser a infinida destrutibilidade, senão aquilo que resta do destruído. O homem é aquilo que pode ser infinitamente destruído e, justamente por isso, não pode esperar da sua total destruição uma fagulha essencial que reste. O resto é o próprio homem; ele é sempre aquilo que desde sempre já é destruído e ao mesmo tempo sobrevive a sua própria destruição. O resto é a ruína que é o homem. À humanidade arquitetonicamente construída como homem - justamente por aquele que o construiu se construindo -contrapõe-se o único homem possível - o resto homem, único homem, a humanidade faltante...

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