sexta-feira, 27 de março de 2009

Sobre “não-conformismos” conformistas


A sociedade é integral, antes mesmo de ser governada de modo totalitário. Sua organização envolve mesmo aqueles que a combatem e impõe norma à sua consciência. Mesmo os intelectuais que têm à mão todos os argumentos políticos contra a ideologia burguesa sucumbem um processo de estandartização, que – não obstante um conteúdo crassamente oposicionista -, pela disposição a também se acomodarem de sua parte, de tal maneira os aproxima do espírito predominante, que seu próprio ponto de vista se torna objetivamente cada vez mais contingente, dependendo apenas de frágeis preferências ou de sua avaliação de suas próprias chances. O que, de um ponto de vista subjetivo, a eles parece radical, obedece objetivamente em tudo e por tudo à parte do esquema reservada para seus pares, de tal sorte que seu radicalismo se reduz a um prestígio abstrato, à legitimação daquele que sabe a favor de quê outra contra quê um intelectual tem de estar nos dias de hoje. Os bens pelos quais optam são há muito tão reconhecidos, tão limitados em número e fixados na hierarquia dos valores, quanto os das fraternidades estudantis. Ao mesmo tempo que investem contra o Kitsch oficial, suas convicções, como nas criança obedientes, estão orientadas para uma alimentação pré-selecionada, para os clichês da ojeriza ao clichê. (...) O fato de que todos os produtos culturais, mesmo os não-conformistas, estejam incorporados ao mecanismo de distribuição do grande capital, de que, no país mais desenvolvido, um produto que não obtiver o imprimatur da fabricação em massa praticamente não atingirá nenhum leitor, espectador ou ouvinte, recusa de antemão toda matéria ao anseio divergente. Até Kafka se torna uma peça de inventário do atelier sublocado. Os próprios intelectuais estão a tal ponto fixados no que é endossado na esfera isolada deles, que nada mais desejam além do que lhes é servido sob o rótulo de highbrow. Sua única ambição é “estar por dentro”, no que se refere ao sortimento cultural aceito, encontrar o slogan certo. A marginalidade dos iniciados é ilusão e mero período de espera. Vê-los como renegados é fazer-lhes honra demais; eles usam óculos com armação de tartaruga e lente que parecem vidraças em seus rostos medíocres unicamente para fazerem uma figura melhor a seus próprios olhos e melhor parecerem “brilhantes” na competição geral. Eles já são assim mesmo. A precondição subjetiva para a oposição, o juízo não enquadrado em normas, está em extinção, enquanto seus trejeitos continuam a ser efetuados como um ritual de grupo. (...)





Theodor Adorno. Reprodução Piper. Minima Moralia.
Imagem: Matthew Diffee. Che Guevara / Bart Simpson. 2oo2

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