segunda-feira, 11 de março de 2013

Chantagem das palavras


Quem é chantageado pelas palavras não tem outra opção senão imaginá-las em outras relações. Fortis imaginatio generat casum. Criar o acontecimento mais do que esperar por seu acontecer: talvez a forma de quem escreve ou, no limite, de quem fala. A memória que nos afaga a cabeça cansada - ah, perversa Mnemosyne! - pode também ser memória de nada e, portanto, imaginação. E talvez aqui esteja a beleza da criação dos fatos: não há deus que se ponha em alerta contra a irrupção do presente; não há forma capaz de refrear a força da vida imaginativa; não há redenção possível ao condenado à existência. Porém, a maldição (o mal dizer) cria outras formas e a todo instante procura nos reter nas formas preestabelecidas das causas e efeitos. É a prisão da palavra oficial, desses atos perlocutórios do poder espectral da era espetacular: a todos, inter-diz-se a imaginação. Como espectros de um sem-sentido, os homens caminham novamente rodeados por um único Sentido, servos de um deus sem rosto e enclausurados nas mais tacanhas grades de sua auto-entrega às máquinas de lembranças. O culto a Mnemosyne jamais foi tão forte e, ao mesmo tempo, tão vazio. Não há nenhuma dimensão de morte heroica - aquilo pelo que os antigos gregos jogavam suas imaginações em risco - nem uma perspectiva niilista que dê acesso a um presente criado: há tão somente o fracasso de quem sucumbe ao peso das palavras, como se fossem a derradeira e última verdade divina...

Imagem: Aby Warburg. Paineis do atlas Mnemosyne - 1924-1929.

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