terça-feira, 16 de abril de 2013

Pedaços



Um pouco como um dia dos restos de mármore, cerâmica, bronze. Das peças minúsculas, maiúsculas, que como um repertório infinito de tempos que se cruzam. Objetos de decoração, vidros, pentes, moedas, Grécia, Roma, bárbaros, bizantinos, cabeças sem corpos, corpos sem cabeça. Mulheres de um lado, homens do outro. O corredor da maratona que também poderia carregar urnas funerárias. As catacumbas, os mausoléus. Tudo não é senão um amontodado de pedaços; tudo é quase nada. 
Os pedaços são um dia e também podem ainda ser pedaços que se compõem em mosaicos: um todo de pedaços. Os pedaços carregam-se de tempo e são o desnudamento de qualquer todo. O labirinto dos rejuntes dos mosaicos carrega a verdade dos tempos. Aliás, as moedas, as verdades falseáveis de cada tempo, eram encontradas nas bocas dos defuntos para ajudá-los na passagem para as suas verdades, sua morte. Dizem os arqueólogos que as moedas são os achados mais comuns em contextos funerários: o óbolo de Caronte, o barqueiro que levará a alma para o outro lado do Aqueronte. Entregamos os mortos como um pedaço de um mosaico; fazemos com que possam compor o todo da vida: o sem-sentido. O dinheiro, portanto, o nada que o velho Aristóteles, na sua Ética a Nicôcamo, já disse ser "como a medida que torna todas as coisas comensuráveis", é a medida da travessia da morte. Atravessamos o vazio: eis o nosso trunfo. Consumimos a morte, dia a dia.
Não restam senão matérias, embrulhos, tempos que se cruzaram, rejuntes perdidos de um antigo mosaico cujas peças embalamos junto aos nossos mortos (ou seriam estes as peças?). O barro que ganhou forma (Adão? o vaso?) quebra-se e des-forma-se. Quando? Talvez hoje, talvez há centenas ou milhares de anos. Pouco importa. Não há senão restos de tempos. Os restos de tempos em estado puro. Os dies nefasti de nossa sempiterna agonia. Pedaços de um vazio...  

Imagem: Igreja da Martorana, Palermo.

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