segunda-feira, 23 de junho de 2014

Folha em branco



Nos rincões turbulentos da memória, 
o vento que leva os últimos gestos de uma folha. 
Espaços vazios, guilhotinados que dançam a vida sem tristeza, 
doces sorrisos colorindo o mar do grande Nada,
nosso habitante desde a eternidade. 

A folha ainda pode estar em branco, 
o vento ainda não ter soprado, 
mas a memória ainda geme, sôfrega.
Balbucio palavras em seu nome, ó grande Nada,
e nenhuma flor lança suas tintas sobre a folha.

Suas imagens passeiam tal qual nubentes 
em carruagens reais, ansiosos pelo encontro de suas ausências.
São elas os últimos gestos de uma folha?
Nenhum som, nenhuma voz,
apenas a eternidade vazia, me colocando à sua espera.

Chamo os guilhotinados no alvoroço da grande festa.
Na memória ruidosa, não me ouvem. 
Apanho a folha ainda em branco e nela desenho o vento,
tentando aplacar as ânsias de uma noite insone.
À sua espera, destronei com minhas mãos trêmulas a escuridão.

Pizarnik me deu fragmentos para dominar o silêncio,
mas não canso de silenciar minhas palavras.
A vida faz troça da memória e vejo, ainda na noite, que você 
vem à festa dos guilhotinados, à frágil felicidade 
que talvez reste como único gesto desta folha.  

Imagem: Chris Steele-Perkins. Da série "England, my England"

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