quarta-feira, 27 de maio de 2015

Pequeno parágrafo sobre o erro II


Houve sonho tingindo em carmim e a vida soçobrava às avalanches de minha memória. Um vasto campo atiçado por imagens aleatórias, uma dança absurda entre destinos e partidas, entre sorrisos e lágrimas, entre o fantástico e a crueza do despertar. "Sorria, querida, sorria!", alguém dizia com voz de eco (ou seria esse o encontro de Eco e Narciso?) ou com voz de ninguém. Quantas vezes hei de caminhar por estas plagas? Quantos humores haveremos de trocar sem jamais deixarmos tocar nossos sexos? Os cristais da memória mergulham um a um na imensidão das danças absurdas e a distância entre a cena e o obsceno desfaz-se nestas linhas ecoadas da conversa impossível entre o pastor e a ninfa. Nada mais resta do que o fracasso no pastoreio da memória, e, ainda que o destino dos sonhos não dê ao errante nenhum caminho, um vasto campo, silencioso e, ao mesmo tempo, repleto de ecos, permanece como o único lugar onde a conversa é infinita.

Imagem: Isaac van Ostaad. Paisagem de Inverno. 1643. Museu do Hermitage, São Petesburgo.       

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