sábado, 25 de fevereiro de 2012

Sonho


Entre inusitadas visões pré-oníricas, sinto a noite como que a cantar, desde o fundo de sua escuridão, os vazios da existência que jazem sob o candor da luz de uma lua ausente; as árvores soltam gemidos, como se o vento que por trás delas passa fosse um usurpador; as águas que escorrem pela janela depois da chuva fazem-me notar a diferença entre um risco e um traço, entre a gota e a chama. Como um servo da máquina do tempo, tento amparar - tal qual um Sísifo ofegante - a roda do mundo que parece deixar todo seu peso nestes meus ombros já cansados. Deito e espero o efeito do narcótico; apresento-me ao senhor do tempo como se ele realmente existisse; espero seu julgamento que nunca chega; recoloco a roda nas minhas costas e inspiro um ar quente que queima meus pulmões. Agora é o trono vazio do tempo que me chama a vagar por sua atmosfera inexata e intranquila, ausente e tão plenamente presente nestes momentos em que apenas o sonho é capaz de me mostrar o que não quero ver: por trás daquele trono, como um espectro desesperdado, era minha própria imagem a me contar, em sonho, esta história que nunca se acaba...

Imagem: Pieter "the Elder" Brueghel. Jogos de crianças (detalhe). 1559-60. Kunsthistorisches Museum, Vienna

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