domingo, 13 de outubro de 2013

Pequeno parágrafo sobre a vitalidade


Lendo "O Idiota", de Dostoiévski, Walter Benjamin diz: "a vida imortal é inesquecível, esse é o sinal que nos permite reconhecê-la. É a vida que, sem monumento e sem lembrança, mesmo sem testemunho, deveria ser inesquecida. Não pode ser esquecida. Esta vida permanece, por assim dizer, sem recipiente nem forma, a imperecível. E dizer 'inesquecível' significa mais do que dizer que não podemos esquecê-la; é remeter a algo que está na essência do inesquecível mesmo, por meio do que ele é inesquecível." O sem forma que é a vida, a duração de um modo de existir que só é interrompido pela decomposição das relações que compõem seu modo de existir em um outro possível, envolve um tempo indefinido, como disse Spinoza (Ética, III, 8). Tal indefinição componente da duração, oposta por Deleuze à eternidade (esta que, entretanto, coexiste com a duração, mas não é apreensível pela memória), de alguma maneira a nós se apresenta como vitalidade. Em todos os movimentos, em toda persistência no ser, na única substância possível, a vida histórica - a vida de qualquer príncipe idiota, incompatível com as idiotas vidas dos transeuntes de nossas dementes cidades - parece ser a única condizente à possibilidade da permanência, sem forma e inesquecível na infinita substância divina. Entretanto, a vida "sonhada" como pura presença num mundo em que deus transcende a vida, é o que vislumbra e insiste em tentar a todo custo criar o mundo do capital: forjar seres que se submetem ao pesadelo de pureza histórica, à teodicea concretizada no consumo ininterrupto e único gerador de vida. O homem médio (muito bem descrito por Pasolini, na voz de Orson Welles) que hoje repete sem cessar a necessidade de vida, que aspira o grande elixir an-histórico comprável em qualquer esquina, não percebe minimamente as potências do inesquecível e se deixa levar pelos modelos, pelas formas de vida patenteadas, por uma suposta imagem do eterno transcendente que o fascina como redenção pós-histórica (já o velho Oswald enunciou com ironia: "é a partilha do ócio a que todo homem nascido de mulher tem direito. E o ideal comum passa a ser a aposentadoria, que é a metafísica do ócio"). O ininterrupto desejo de tempo livre, de lazer, nada mais é do que a fantasia da vitalidade em estado puro (livre das sevícias do trabalho que, por outro lado, carrega também no mundo do capital uma função à vitalidade: justamente a condição sine qua non da "pura vida", o primeiro estágio da vida que produz vida gloriosa). No nosso tempo, somos o sonho não realizado da vida, sempre em busca de vida.  

Imagem: Antonio de Pereda. Vanitas. Museo Provincial de Bellas Artes, Saragossa.         

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