Senti-me caindo fora do tempo, em terras soltas, onde espectros que outrora rezavam junto a mim suas orações harmônicas e melódicas - ritmadas pelo tempo - agora calavam-se e davam-me as costas tranquilamente. Agora, ainda assim há um agora, ainda consigo ater-me, com sarcasmo, aos ignominiosos resquícios de uma memória perfumada, cheia de cartas não escritas e outras tantas não respondidas, repleta de imagens sedosas e de um silêncio musical. Mas o agora do tempo faltante, desse lugar obtuso e cheio de silêncio lúgubre, é também o único nada de onde tudo brota (e as fantasias dos teólogos que clamam por uma creatio ex nihilo agora, neste agora, só me fazem rir). E como cair onde nem mesmo o onde é ou pode ser dito? Como cantar a criação no lugar que é só o ponto final da queda? Só agora, num outro agora já condenado, dou-me conta de que tudo - o tudo que provém do nada - estava escrito nas costas dos fantasmas que de mim agora se afastavam. O agora, então, é apenas a questão do saber que em breve não conseguirei mais ler tais inscrições, e que o tempo não será mais o das palavras, mas somente o das sombras por estas mesmas palavras deixadas como que a pairar nestas terras soltas. E, agora - não sei mais em qual -, só me restam as palavras, a palavra, que nunca serão minhas mas provêm, como as sombras, da pena da poeta:
A palavra
só irá
arrastar consigo outras palavras,
a frases frases.
O mundo bem queria
definitivamente
impor-se,
estar já dito.
Não o digam.
Palavras, sigam-me!
Para que nada seja definitivo
- nem esta ânsia de palavras
nem o dito e o contradito!"
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