"Sejam como passantes!" - Evangelho de Tomás
O Bloom aparece inseparavelmente como produto e causa da liquidação de todo ethos substancial, sob o efeito da irrupção da mercadoria no conjunto das relações humanas. Ele próprio é, portanto, o homem sem substancialidade, o homem tornado realmente abstrato, por ter sido de fato extirpado de qualquer meio, despossuído de todo pertencimento e, em seguida, jogado na errância. Assim o conhecemos como esse ser indiferenciado "que não se sente em casa em nenhum lugar", como esta mônada que não é de nenhuma comunidade no mundo "que engendra somente átomos" (Hegel). Naturalmente, admitir a universalidade do estatuto de pária, de nosso estatuto de pária, seria fazer luto por excessivas mentiras convenientes, tanto para aqueles que pretendem se integrar a essa "sociedade" quanto para os que a ela se integram com a pretensão de criticá-la. A famosa doutrina das "novas-classes-médias" ou, alternativamente, da "vasta-classe-média", corresponde já há meio século à negação de nossa bloomitude, ao seu travestimento. Gostaria-SE assim de recapturar em termos de classe social a dissolução acabada de todas as classes sociais. Pois o Bloom é também o neo-burguês de hoje, a quem falta tão pateticamente a certeza de sua burguesia, como ao proletário que não tem mais atrás de si os vestígios de um proletariado. No limite, ele é o pequeno-burguês planetário, o órfão de uma classe que nunca existiu. De fato, como um indivíduo resultava da decomposição da comunidade, o Bloom resulta da decomposição do indivíduo, ou ainda, para ser mais claro, da ficção do indivíduo - o indivíduo burguês só existiu nas autoestradas e ainda há acidentes -. Mas seria um equívoco sobre a radicalidade humana que o Bloom expõe se ele fosse representado sob a espécie tradicional do "desenraizado". O sofrimento ao qual expõe então toda ligação verdadeira tomou proporções tão excessivas que ninguém pode mais nem mesmo se permitir a nostalgia de uma origem. Além disso, foi-lhe necessário, para sobreviver, o morrer em si. Assim, o Bloom é o homem sem raízes, o homem que tem o sentimento de estar em casa no exílio, que se enraizou na ausência de lugar e para quem o desenraizamento não evoca mais o banimento, mas, ao contrário, uma situação ordinária. Não é o mundo que ele perdeu, mas o gosto do mundo que teve de deixar atrás de si.
Tiquun. Théorie du Bloom. Paris: La Fabrique, 2000. pp. 49-50. (Tradução: Vinícius Nicastro Honesko).
Imagem: Jean-Baptiste-Siméon Chardin. Oração antes da refeição. (detalhe) 1740. Musée du Louvre, Paris.
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