segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Comunidade

A comunidade se revela na morte do outro: assim, revela-se sempre ao outro. A comunidade é o que tem lugar sempre através do outro e para o outro. Não é o espaço dos "eus-mesmos" - sujeitos e substâncias, no fundo imortais - mas aquele dos eus, que são sempre outros (ou ainda, não são nada). Se a comunidade se refela na morte do outro, isto se deve porque a morte mesma é a verdadeira comunidade dos eus que não são eus-mesmos. Não é uma comunhão que fusione os eus-mesmos num Eu-mesmo ou num Nós superior. É a comunidade dos outros. A verdadeira comunidade dos seres mortais, ou a morte enquanto comunidade, é sua impossível comunhão. A comunidade ocupa então este lugar singular: assume a impossibilidade de sua própria imanência, a impossibilidade de um ser comunitário enquanto sujeito. A comunidade assume e inscreve - é seu gesto e seu traçado próprios -, de alguma maneira, a impossibilidade da comunidade. Uma comunidade não é um projeto fusional, nem de modo geral um projeto produtor ou operatório - nem um projeto à secas (eis aqui outra diferença radical mais com "o espírito de um povo", que de Hegel a Heidegger figurou a coletividade como projeto e o projeto, reciprocamente, como coletivo - o que não quer dizer que não tenhamos nada a pensar da singularidade de um "povo").
Uma comunidade é a apresentação a seus membros de sua verdade mortal (o que equivale a dizer que não há comunidade de seres imortais; pode-se imaginar uma sociedade, ou uma comunhão de seres imortais, mas não uma comunidade). É a apresentação da finitude e do excesso irremediável que engendram ao ser finito: sua morte, mas também seu nascimento e com ela a impossibilidade para mim de voltar a franquear esta última, e também de franquear minha morte).

(NANCY, Jean-Luc. La Comunidad Inoperante. Santiago: Universidad Arcis, 2000. pp. 38-39. Tradução: Vinícius Nicastro Honesko)




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