quinta-feira, 13 de agosto de 2009

De aparência em aparência...

D.E.: Terminar uma série de livros como as Mitológicas com essa constatação desiludida de que, dos empreendimentos do homem, "nada" resta, é quase proclamar um credo filosófico. Já pretenderam enxergar nesse "nada" a expressão de sua filosofia profunda.

L.S.: Nunca disse isso. Disse que o homem devia viver, trabalhar, pensar, manter a coragem, embora sabendo que não estará sempre presente na Terra, que esta Terra um dia deixará de existir, e que, nada restará de todas as obras do homem. Não é exatamente a mesma coisa.
Minha "filosofia profunda", como você diz, tropeça nessa contradição e curva-se diante dela. Tudo o que os físicos e os biólogos ensinam me apaixona; nada estimula mais minha reflexão. Ao mesmo tempo, parece-me que cada problema resolvido, ou que acreditamos resolvido, faz surgir novos problemas, e assim por diante, indefinidamente; de modo que nos compenetramos cada vez mais da certeza de que nossa capacidade de pensar é e permanecerá sempre indequada ao real, de que a natureza profunda do real escapa a qualqer esforço de representação. Foi Kant quem primeiro nos ensinou isso. Mas Kant, que se moldava a um poder de conhecer irremediavelmente enfermo, devido a algumas antinomias, esperava encontrar na vida moral um fundamento absoluto. Hiperkantiano, se me permite dizer, eu englobo a vida moral na problemática da razão pura: ela também tem suas antinomias, impossíves de superar. E mais ainda; porque se o conhecimento científico abre-nos para o imensamente grande e o imensamente pequeno de perspectivas bem mais vertiginosas do que Pascal imaginava, ele nos demonstra nossa insignificância. Quer desapareça a humanidade, quer desapareça a Terra, nada mudará na marcha do cosmos. Donde um último paradoxo: não temos a mínima certeza de que esse conhecimento que nos revela nossa insignificância tenha alguma validade. Sabemos que não somos nada ou que não somos grande coisa e, sabendo-o, nem sequer sabemos se este saber é um saber. Pensar o universo como imensurável pelo pensamento, obriga-nos a pôr em dúvida o próprio pensamento. Não saímos disso.
Então, como fica o ceticismo radical que você parecia imputar-me? Não existe. Porque mesmo que nos dediquemos a andar de aparência em aparência, não é indiferente saber que é sensato parar em algum lugar, e onde parar. Entre as aparências superficiais e a busca estafante de um sentido por trás do sentido que nunca é o certo, uma experiência plurimilenar parece mostrar que existe um nível intermediário em que os homens sentem prazer em situar-se, porque lá encontram mais conforto moral e intelectual, lá sentem-se melhor ou menos mal que em outra parte, sem recorrer a outras considerações se não as hedonistas: esse é o nível do conhecimento científico, da atividade intelectual e da criação artística. Pois bem, então nos apeguemos a isso e, resolutamente, "nos comportemos como se", a fim de acreditar nisso para todos os fins práticos, não sem, de tempos em tempos, acenarmos com um signo de inteligência para um memento mori que engloba nosso universo e, com ele, nós próprios.
Claude Lévi-Strauss & Didier Eribon. De Perto e de Longe. São Paulo: Cosac Naify, 2005. pp. 228-230.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Bloom


Cuando lo veo caminando por la calle, siempre me parece que está gozando de un descanso, de un descanso total. Nadie lo espera, y él no desea llegar a ningún sitio ni encontrarse con nadie. No. Pasea para estar consigo mismo. Tampoco lo hace por razones de salud. Camina. Camina porque nada lo detiene. Me imagino que si en su camino encontrase un muro alto y extendido no se alteraría en lo más mínimo. Tomaría otra dirección, y si esta tampoco fuese practicable, la volvería a cambiar y seguiría caminando, las manos apenas sacudidas por el movimiento natural de todo su cuerpo y las piernas trabajando sin esfuerzo alguno para alargar o apresurar el paso. No. Su paso es verdaderamente suyo y de nadie más, y no puede ser ni alargado ni acelerado. En reposo, todo su cuerpo es el de un deportista: cuando se mueve, el de un niño disminuido por el gran amor de sus padres. Yo sé que la vida no ha sido una madre cariñosa con él. De haber sido peor, igualmente el señor James Joyce hubiera conservado el aspecto de una persona que considera a las cosas como puntos que rompen la luz para divertirlo. Lleva gafas, y por cierto que las usa desde la mañana temprano cuando se levanta, hasta bien entrada la noche. Tal vez vea menos de lo que se pueda suponer por su aspecto, pero da la sensación de una persona que se mueve para ver. Seguramente no es capaz de combatir y tampoco lo desea. Va por la vida esperando no toparse con mala gente. De todo corazón le deseo que esto nunca le suceda.



Italo Svevo. James Joyce. Barcelona: Argonautas, 1990. p. 62
Imagem: Paris 1929. James Stephens, James Joyce, tenor John Sullivan