Para J.L.B.
Escrever para si é trocar cartas com o vazio que é a linguagem. O silêncio das palavras que gritam desesperadamente à espera de que, um dia, a voz que as carrega seja o sentido da linguagem. Mas não há voz, não há linguagem, e o texto, ou melhor, esses fantasmas chamados letras, volta atormentador. As cartas, que tanto escrevemos e lemos, mesmo quando possuem destinatários (possíveis ou impossíveis), são os espectros das múltiplas vozes perdidas que nos habitavam. E por que tantas imagens (fantasmas, espectros) onde não há senão o vazio do chamado divino? Susan Sontag dizia em seu diário (talvez a forma mais intempestiva de escrever cartas) que os textos são objetos e que não há maneira de experimentar o que se escreve. "'Não estou dizendo algo'. Estou permitindo que 'algo' tenha uma voz, uma existência independente (uma existência independetemente de mim mesma)." É desse algo que ganha voz que nos fala o Deuteronômio (4, 12): "Então Iahweh vos falou do meio do fogo. Ouvíeis o som das palavras, mas nenhuma forma distinguistes: nada, além de uma voz!" O algo que se solta neste algo e ao mesmo tempo nada que é a linguagem é deus, e para ele não se escreve cartas (algo e ao mesmo tempo nada: também não é isso o outro nome da morte?). Aliás, o máximo que fazemos é cartografá-lo com nosso patético desespero, afinal, que sentido tem um mapa da China tão grande como a China?
Imagem: Leonardo Alenza y Nieto. Sátira ao suicídio romântico. Museo Romántico, Madrid.
Nenhum comentário:
Postar um comentário