quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Estudo sobre a memória IX


A Manoel de Barros

É tempo de experimentar o tempo,
e as musas, as ditadoras do país da poesia,
sondam e espreitam o momento oportuno
para o próximo golpe.
Com as musas, um poeta tentou trocar olhares,
mas elas eram todas cegas.

Ah, gente tão pura recolhida na luz e nutrida de silêncio!
Amarrei, também eu, meus sonhos no poste da vida:
por que já pretendes ir, Manoel?
O tempo não é todo ele de sonhos?
Ainda é preciso muita inutilidade,
muita sombra no império da lucidez.

E minha musa cega perde também a palavra.
Silenciosa e muda, agora me dita em outra língua:
a dos mapas perdidos, a das cartas extraviadas,
a de um mundo que se foi.
O tempo se soltou do poste e correu
para um jardim onde, cegas e mudas,

passeiam nuas as inúteis musas de outrora.


Imagem: Johannes Vermeer. Mulher dormindo à mesa. 1657. Metropolitam Museum of Art, New York.



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