quinta-feira, 11 de junho de 2015

À Musa Cega



A Herberto Helder

Vi por mim passar um poema
nas brumas dos últimos sonhos:
era móvel, tátil, atraente
e corria como uma criança em direção ao mar.
Deixei-me guiar por seus passos,
tentei tomá-lo em minhas mãos.
Mas era, tal qual Musa Cega,
uma desorientação em noites escuras
de poetas místicos.

Assobios alegres também
eram a forma do poema,
soprados pela boca de minha última amante.
Quanto tempo ainda haveria de
esperar pela volta da luz aos olhos da Musa?
Tateio o poema em busca da linguagem pura,
procurando as mãos eternas que me levam
a uma fogueira perdida, ao som irrevogável
de uma surda voz.

Quem dançava ainda há pouco
na escuridão das noites sem guia?
Ah!, poeta, quantas vezes sonhei
seus sonhos sem imagens nem palavras,
quantas voltas dei ao redor da Musa
que, Cega, me fitava desde a noite escura.
Entro no tabernáculo da poesia
e danço, só, ao som desse assobio alegre
que desenha estes versos por minhas mãos
eternas.


Imagem: Paul Gauguin. Árvores azuis. 1888. Ordrupgaardsamlingen, Ordrupgaard.


Nenhum comentário: