quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Monograma XV - Jean-Luc Nancy




Lentamente, discretamente, o “impossível” se tornou uma categoria predominante de nosso pensamento a partir de um momento que podemos datar na virada do século passado [séc. XIX]. Em 1873 Rimbaud escreve “o Impossível” para falar de uma perda irreparável ocorrida nos “pântanos ocidentais”. Em 1899, depois do anúncio da condenação de Dreyfus, Zola escreve “estou no terror sagrado do homem que vê o impossível se realizar”. Entre o para sempre perdido e o demasiado real em que se crê, toda a obra de Proust compõe uma longa variação da aproximação e apreensão do impossível. Bataille, um pouco mais tarde, escreve que “toda vida profunda é carregada de impossível”. Esse fardo não é mais a gravidade pantanosa nem a espessura terrificante: ele tem o peso da profundidade, de uma profundidade que nenhum fundo encerra e tampouco sustenta. Uma profundidade leve, em suma, de uma leveza sem frivolidade. Nem drama, nem imprudência, mas um como ajustar a preocupação sem acalmá-la nem atormentá-la.


Eis como “impossível” não significa “não possível” (irrealizável) mas estranho à economia do possível e do impossível, do cálculo de uma (in)viabilidade, como se diz hoje em dia. O possível sempre é uma projeção extraída do real dado, diz Bergson. O “impossível” em relação a isso não acompanha o dado.


Exemplo: enquanto reivindicamos “um pai, uma mãe” para nos opor ao casamento para todos, acompanhamos o dado de uma suposta naturalidade; quando a favor desse casamento nos contentamos em convocar uma igualdade abstrata de direitos, remetemos a uma outra suposta naturalidade. De ambos os lados nos esquecemos de que se tratam de profundas transformações de sociedade e que, na história humana, as relações de parentesco tomaram e tomarão várias formas muito diferentes não endossadas por nenhuma “natureza” e que, portanto, em direito, nenhum “possível” nelas se delimita.


Os exemplos são numerosos tanto no que diz respeito à referência preguiçosa ao dado quanto à maneira – também preguiçosa ou mesmo partidária – a partir da qual escolhemos o que queremos considerar como “dado” (“natural” ou “divino”, “racional” ou “razoável”...). Podemos mensurar o possível e o impossível de um sistema de ensino no estado em que estava há cinquenta anos. Podemos mensurar o possível e o impossível de uma democracia em relação ao que representamos ter sido sua efetividade passada (Atenas, por exemplo...). Acreditamos mensurar o possível e o impossível em fontes de energia nas quantidades e nas formas dadas de seu consumo. Mensuramos o que nomeamos “humanismo” em relação ao que já carregou esse nome (e o que não o carregou?). E o próprio “homem”, homo sapiens sapiens, nós o imaginamos dado quando mal ele é buscado (o homem dos “direitos humanos”, por exemplo).


Pensar fora do possível é pensar o inédito, o inaudito – o que toda existência carrega com ela e que, entretanto, jamais é dado, depositado, seja para ser conservado ou para ser reformado. O mundo não é para ser mudado: ele está por ser criado.


É isso que muito bem disse Kamel Daoud, no Le Quotidien d’Oran, por ocasião da visita do presidente francês à Argélia: “A guerra é uma história de mortos. As desculpas são uma história de velhos. [...] E eu, eu sou uma história nova.”

Trad.: Vinícius N. Honesko

Imagem: Horts Faas. Criança carrega rifle com mãe próximo ao Palácio Bastilha em Oran, Argélia. 1962.

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