Jonnefer Francisco Barbosa
"O que está acontecendo agora em Acari é um absurdo! E acontece desde sempre! O 41° batalhão da PM é conhecido como Batalhão da morte. CHEGA de esculachar a população! CHEGA de matarem nossos jovens!" - Marielle Franco, em 10 de março de 2018.
O que sustenta uma execução premeditada, cujas circunstâncias expressam nitidamente qual instituição pretendia calar Marielle Franco? Mas também a quem interessou a morte e o silêncio da relatora da comissão que fiscalizaria a intervenção na câmara de vereadores do Rio de Janeiro, em um contexto de interventores que exigem “garantias” de que não enfrentarão uma nova Comissão da Verdade? A certeza da impunidade e do silenciamento, a produção do medo via aparatos militares: o que sustentou o assassinato de Marielle Franco foi a própria intervenção militar. Uma investigação independente, distante dos aparatos interventores, é uma demanda elementar. Se não diretamente, o golpe com seu AI5 de 2018 (a intervenção) deslacrou uma pútrida caixa de pandora, no momento em que os golpistas se aliam a duas instituições que, no passado e no presente do Brasil, só podem ser chamadas de genocidas: a polícia militar e as forças armadas. O golpe de 1964 não atacou apenas comunistas e socialistas, mas também sociais-democratas, defensores das liberdades civis e líderes políticos dos mais diversos matizes ideológicos. O golpe de 2016 chega a outro patamar quando passa a neutralizar – pelo assassinato, simplesmente – a resistência em suas possibilidades futuras: lideranças jovens, como Marielle, quinta vereadora mais votada na segunda maior cidade do Brasil, ou Marcio de Oliveira Matos, uma das lideranças do MST assassinado na frente do filho de 6 anos no dia 26 de janeiro de 2018.Parte de uma esquerda que hoje se torna irrelevante politicamente proclama ressentida que nem golpe houve em 2016. Uma multidão barulhenta nas redes sociais, impulsionada pelo culto a um fascista canastrão (Bolsonaro), tripudia sobre a memória de Marielle. O genocídio da juventude negra e pobre é inaceitavelmente cotidiano. Mas após o golpe e a decretação da intervenção militar no Rio um outro patamar da barbárie e da sanguinária contra-insurreição é levantado. Na atual polícia política brasileira, gerida nos bastidores do GSI e da nova doutrina tupiniquim da guerra civil, os porões dos centros de detenção e a tortura são demodés e não econômicos – não que eles tenham deixado de existir. Mais atrelado à lógica neoliberal da “eficácia com os menores recursos possíveis” é o extermínio puro e simples, seja perpetrado por grupos de policiais ou soldados acobertados pela imunidade concedida pela lei 13.491/17, seja pelos sórdidos desdobramentos que essa imunidade desatou: os grupos de extermínio como práticas habituais para lidar com os inimigos políticos, como mórbida normalidade governamental. Enquanto isso, nesse barco rumo ao abismo chamado Brasil, os membros de um dos aparelhos judiciários mais onerosos do mundo, em um país cujo sistema judicial não é gratuito (as custas judiciais são exorbitantes e excludentes), batem panelas insolentemente, ofendem a instituição da greve ao manejar uma farsa completamente ilegal e imoral para manter regalias de mandarins; professores municipais apanham por tentar se expressar em um parlamento municipal (o local por excelência, nas democracias liberais, da própria “palavra”), quando suas aposentadorias estão sendo confiscadas em prol de rentistas e da especulação financeira; as eleições de 2018 provavelmente serão confiscadas; e mais um jovem morre, nesse exato momento, em algum rincão perdido e esquecido. Governa-se o futuro, a distopia é produzida neste exato momento, agora. Mas quando, em qual agora, a ira e o intolerável serão efetivamente politizados? Quando assumiremos nossa insurgência nessa guerra em que, mesmo contra nossa vontade e sem nossa adesão, fomos lançados?
# Em um sonho muito real, alguém sonhou que o 41º batalhão de Acari era reduzido a cinzas por milhares de pessoas enfurecidas. Elas exigiam um estado do mundo, aquilo que está além de qualquer individualidade ou propriedade, algo que é maior que a própria “vida pessoal ” ( “ativo” tão prezado e ao mesmo tempo tão simulado e negado nos tempos do neoliberalismo cibernético). No delírio desse sonhador kafkiano, o chacineiro 41º batalhão, a Bastilha do golpista Temer, era estilhaçado e destruído em nome da justiça.
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