A Ruy Belo
Há uns dias perguntava numa folha ao final de um caderno ainda incompleto: por que retomar a escrita? Qual o sentido da inscrição quando já não há motes para baixar a cabeça e encarar o caderno que parece não mais querer acabar? Há alguma retomada no gesto da escrita, ou esta tomou, nestes meses em que o caderno permaneceu silencioso, outros caminhos, outras vozes (se é que de vozes se trata)? Nos arredores, o canto dos homens parece ecoar suas verdades há tempos caladas. E, diante disso, mais uma pergunta: há modos de contra isso se insurgir na escrita? "Não sei se a vida vale um pouco mais que a vida / que a impertubabilidade de quem olha o céu / e se encomenda aos deuses da loucura / e vã é a palavra do poeta / se não atenuar a dor da vida e preparar / a serenidade visual visível na iminência do futuro". A dor da vida não se escreve e as letras antes vistas no caderno eram só o invisível a desvelar-se em sua charada mais habitual: o presente fugidio e apressado, aquele em que nem mesmo nos é dado a chance de dizer adeus. E o poeta de nome Belo despia-se da vida com o vinho que lhe abria o presente: por que então escrevia?
Nenhum comentário:
Postar um comentário