quarta-feira, 20 de junho de 2007

Idéia da Paz


Idéia da Paz
Desde que a reforma da liturgia reintroduziu na missa o sinal da paz entre os fiéis, nos demos conta, não sem desconforto, de que estes ingenuamente ignoravam o que tal sinal podia ser e, uma vez que o ignoravam, depois de alguns instantes de perplexidade, recorriam ao único gesto que lhes era familiar e se davam, sem muita convicção, as mãos. Seu gesto de paz era, portanto, o mesmo que, nas contratações dos mercadores e das feiras campesinas, ratifica o cumprimento do acordo.
Que o termo paz indicasse originalmente um pacto e uma convenção já está escrito no seu étimo. Mas o termo que, para os latinos, indicava o estado que derivava daquele pacto não era pax, mas, otium, cujas incertas correspondências nas línguas indo-européias (gr. aúsios, vazio, aútos, em vão; got. auspeis, vazio; isl. aud, deserto) convergem na esfera semântica do vazio e da ausência de finalidade. Um gesto de paz poderia ser, então, tão somente um gesto puro, que não quer dizer nada, que mostra a inatividade e a vacuidade da mão. E assim é, de fato, em muitos povos, o gesto de saudação; e, talvez, exatamente porque o aperto de mãos é hoje simplesmente uma maneira de saudar-se que, chamados pelo sacerdote, os fiéis recorrem inconscientemente a este gesto incolor.
A verdade é, no entanto, que não existe e não pode existir um sinal da paz, porque a verdadeira paz estaria somente onde todos os sinais fossem cumpridos e extintos. Toda luta entre os homens é, de fato, uma luta pelo reconhecimento, e a paz que segue a esta luta é somente uma convenção que institui os sinais e as condições do mútuo e precário reconhecimento. Tal paz é sempre e somente paz das nações e do direito, ficção do reconhecimento de uma identidade na linguagem, que vem da guerra e acabará na guerra.
Não o referir-se a sinais e imagens garantidos, mas que não possamos reconhecer-nos em nenhum sinal e em nenhuma imagem: é esta a paz – ou, preferindo-se, este regozijo que é mais antigo que a paz e que uma admirável parábola franciscana define como um lar – noturno, paciente, forasteiro – no não reconhecimento. Este é o céu perfeitamente vazio da humanidade, a exposição da inaparência como única pátria dos homens.

AGAMBEN, Giorgio. Idea della Prosa. Macerata: Quodlibet, 2002. pp. 63-64. Tradução: Vinícius Nicastro Honesko.

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