Um dia, em um instante de insana lucidez, alguém ousou este salto (para fora do anonimato humano, lingüístico, gregário). Foi o precursor desavisado de inúmeras e variadas expedições de colonização. A brecha por onde este sujeito pulou é considerada uma das tantas dessimetrias (assimiláveis e posteriormente louvadas) do tecido. Ergueram, como culto à memória deste desconhecido, uma estátua. Tomaram-no por poeta, filósofo, inclusive “humanista”. Decoraram a fissura de seu pulo com tantos adornos e costuras que ela se tornou um cânone de escalagem (vigiada sob a patrulha de técnicos e assistentes especializados em percorrer e catalogar sinuosidades). Há tempos só resta o pó deste sujeito representado em pose solene na estátua. Ele não imaginava que causaria tanto burburinho, talvez ousasse uma travessia mais arriscada (ou mesmo permaneceria inerte) se pudesse antever o estranho espetáculo.
Contudo, o que os técnicos de escalagem, notáveis representantes do rebanho, célebres e festejados anônimos produzidos pelo discurso esquecem é que a matriz que eles buscam tanto preservar está crivada por buracos. Em todo canto é possível encontrá-los (mesmo que não sejam discerníveis a olho nu). Os especialistas em fissuras e escalagens são aqueles que têm maior dificuldade em encontrá-los, pois se resumem a catalogar e a conhecer profundamente os já existentes (ou quando não são movidos por simples má-fé ao preservar o “eternamente ontem” do já dado, ou medo de ver perdido seu reconhecimento anônimo como catalogador mor da rachadurazinha que a ninguém incomoda). Os demais estão muito preocupados em andar pelos caminho já conhecidos, seguros, onde se morre de forma quase imperceptível.
Porém, alguns solitários, extraviados, sentem náuseas e vertigens pela imensa instabilidade que a tudo circunda. Esta nau-sía (uma virtude marítima) é o supra-sumo da saúde. Foi movido por um asco parecido que o sujeito da estátua tentou evadir-se. Não foi extremo o bastante. Deixou muitas pistas e rastros atrás de si.
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