quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Amarelos

Sentidos à flor da pele com uma mente quase insana: começo a girar por corredores em que linhas traçadas como que em meio a um tumulto se espalham inadvertidamente. Estou quase sentindo a circulação do meu sangue nas minhas mãos frias; assaltam-me pensamentos sobre meu passado recente (a memória é uma grande ferida, diria Chico na boca de um velho agonizante que tenta, como num ato de extrema unção, rever-se em sua própria história familiar). Agora estou sentado diante de um dos mais conhecidos girassóis de Van Gogh. Pena que estou surdo para mim mesmo e não consigo enxergar o que disse; um abandono, uma melancolia retardada, que chega sempre depois e a tentativa de expadir o amarelo dos girassóis para colorir minha vida.
Como nos últimos anos de vida, com a doença, Van Gogh abre o leque de cores e também abre uma troca. Linhas de pensamento era o que ele praticamente pintava a todo instante; cores quentes e mais frias. Quanta angústia estava a guiar estas linhas? Quão dolorosa foi a estrada da loucura?
A entrega para a morte também pode ser um inverso na vida; entregar-se incorrupto ao mar da corrupção: tenso fluxo que não para de impor-se na minha mente... perco-me...
Soltem as luzes da gaiola, abatam os pombos litorâneos, solucionem as questões de vida, lancem-me no mar da morte, no qual não morro ou desapareço, apenas pereço no vermelho escuro da sombra do louco que me chama. A tela "Night (after Millet)" se me mostra como uma obscuridade e me fala do obscuro em minha vida. A luz como uma espiral que se perde nas gotas de sombra até se diluírem e formarem lanças para o futuro, mas com tonalidades multicolores.
A imagem de uma caminhada na praia, a pouca luz de fim de tarde com seus tons amarelados e rosáceos são visões de um "warm short moment called life" (como diria Gilmour); piso em conchas, as pego, sinto como que casas abandonadas a acariciar minha palma da mão, já tão cansada, com suas rugosidades. Os grãos de areia roçam minha face e o calor faz as gotículas de suor aparecerem em seu buço, o qual estava a mirar quando escutávamos o som do mar. E a pouca claridade amarelada é como a luz dos girassóis... eu tento transpor o mar que está a minha frente com a força luminosa que libertei da gaiola.
Ainda corro o dedo pelo meu rosto como que a sentir dedos outros; meu magro rosto, desdenhoso da barba que insiste em crescer, agora quer descanso. A neve queima, o branco me deixa enjoado, corto o polegar direito tentando atingir com meu sangue um tucano que passa no céu da Europa. Volto à praia e a vejo novamente com a pele caramelada, com um sorriso que reluzia ao longe e que me dava a certeza de que era ela... e o pôr-do-sol cobre meus ouvidos como o piano do Thelonious que soa atonal o tom amarelo dos meus sonhos...

Um comentário:

Jnf disse...

caramba! um ritual de iluminação profana em pleno museu Van Gogh - a la Artaud em seus melhores momentos. muito bom!