quinta-feira, 4 de agosto de 2011

Mais uma carta


Para minha destinatária impossível.

Querida, qual a razão para acelerar a história se o tempo é desatino? Não há história sempiterna, não há aceleração que induza à razão, não há sentimento que acolha a falta. Desculpe-me por começar com uma pergunta que parece retórica, mas não me desculpo por encontrar-me desatinado na frieza de um dia incauto. Um dia incauto?! Pois é, talvez sejam os fantasmas que fazem a trama da vida a tentar revelar meu anonimato. Um amante amador (sabes que gosto dessas palavras que, se bem jogadas, ao ouvido às vezes dão essa sensação de estranheza na igualdade, ou de igualdade na estranheza) não deve se revelar, nem se deixar revelar, por mais que os fantasmas nisso insistam. O véu que vela é o que separa e une, é o que dá a aparência das coisas cuja verdade é somente aparente. É, querida, embrenhado nos joguetes da memória a consciência perde de vez sua falsa solidez. Evento de palavra, é vento de palavra e voa para longe, deixando só o desatino. Mas, diga-me, para quê acelerar a história? Toujours tout rependre et toujours tout réapprendre, não? Não bastam as retomadas e os reaprendizados? Não são todos esses res (sim, também as coisas) as sombras do passado? Não temos que enfrentá-lo? O passado? A retomada? A res? Desculpe a ambiguidade... não tive como não... coisas do tal pequeno a... É, talvez seja assim que a vida retorne das sombras pelas quais se enveredou no último sonho que tive. Talvez eu tente recomeçar a desenhar meu mapa, aquele que talvez não te agrade e que talvez tu me peças para redimensionar ao ponto de não mais ser discernível daquilo que mapeia (não te pareces familiar?). E lembrei do sonho, e do mapa, e daquele mapa que dizia que a morte revelaria o sentido verdadeiro das coisas (e voltamos para res - tudo bem, não vou repetir). Meu corpo colado no tempo, minha luta contra a história que anda, e tu ainda queres acelerá-la?! E o poeta que sussurra ao meu ouvido, dizendo que é a luta entre um homem acabado e um outro homem que está andando no ar, continua a me falar de ti. É, querida, também eu, anônimo, caminho por esteiras flutuantes, por espumas informes (qual a lógica da espuma? é metástase, é câncer, não tem centro, nem epicentro, nem eixo, nem vórtice...). Descolo agora um tempo do corpo, querida, para colá-lo aqui, nesta carta que não chegará a ti.

Do seu remente impossível.

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