quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Pequeno parágrafo sobre a exposição


É fato que até o melhor dos gostos, até o mais doce dos néctares, até a mais sublime das refeições, tudo isso que à mesa exala os melhores aromas, que aguça até o mais insensível dos olfatos, uma vez organizado - absorvido por um organismo -, torna-se matéria amorfa e fétida, vira refugo, o que é expelido, excremento, o que é execrável. Do gosto do início não restam nas papilas nada mais que a saudade do gosto e, nas narinas, a saudade do aroma. Tudo isso acompanhado pela imagem daquilo que se expunha diante dos olhos, imagem que já gerava na boca o salivar, a produção dos líquidos digestivos, o início do fim antes do início do começo. Todo organismo, todo órgão, é contra o próprio corpo, é, antes, o pré-anúncio do fim do corpo, é o começo do ex antes da deglutição, antes do in. O fim é desde o início; o fim inicia-se com o início, e os sabores que sobrevivem na boca não são senão espectros do início que aconteceu concomitantemente ao fim; o excremento é o fim, entretanto, que já acompanha o começo (e talvez nossas desilusões sejam apenas a ingenuidade de acreditar naquele gosto incrível do início como se ele fosse perene, infinito). Somos seres lançados ao mundo, seres que, saídos das cavernas uterinas de nossas mães, não são inseridos num mundo, mas lançados para fora do aconchego, ex-postos ao mundo, des-organizados. Somos o fim de um processo de fecundação, a corporificação (não a organização) de um desejo (desejo não se organiza...) que não nos pertence, a pura exposição ao vazio que nos circunda após nove meses de constante irrigação e plenitude. Não nos é dada a felicidade eterna, nem a in-felicidade eterna. Felizes somos ao tentar sacar o viver dos presságios, dos fins corrosivos que já acompanham a delícia dos gostos e aromas. Eis talvez uma tarefa quase impossível, porém, a única que talvez reste, a única que talvez seja capaz de dar à nossa exposta condição o gosto bittersweet de nossa ex-istência.

Imagem: George Stubbs. Man, 1800. British Museum, Londres.

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