domingo, 20 de novembro de 2011

Palavras e coisas


Há um infinito que não está além das coisas, mas que se afunda nelas mesmas; e é com uma espécie de mal estar que dele me dou conta. E tudo parece se complicar mais com a sensação de estar dentro das palavras, de ter sido absorvido pelo discurso, de ainda poder sentir aquele hálito quente que outrora me dizia coisas com palavras (ou dizia palavras com coisas). Havia o infinito na nossa finitude; havia palavra; era o encontro de olhares e um inefável abraço das nossas vozes. Mas agora não resta senão a desfaçatez de uma cumplicidade já não existente, de um rubor envergonhado onde antes via íris que cruzavam mares com notícias de mim mesmo, com palavras que me traziam o infinito no qual deleitosamente me afundava. E hoje são as coisas que naufragam em si mesmas e que não deixam nada além do infinito de si mesmas, a barreira intransponível para as palavras que diziam coisas (ou das coisas que diziam palavras). E lembro que era a voz do deus dos montes palestinos que revelava aos periclitantes hebreus uma verdade e esta, a verdade das coisas, só chegava por meio desse evento acústico. O mesmo sopro que tinha inflado de vida o barro era então o que revelava a palavra e, portanto, a morte. Agora escuto o silêncio, não mais a voz, e não há gosto mais amargo do que o que percebo neste infinito que me habita, nesta coisa de palavras que sou. Por que há o ser e não o nada?, perguntou-se Parmênides sem perceber que talvez eram as palavras que o enganavam. "Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa", e Álvaro de Campos enganava Fernando Pessoa que enganava Álvaro de Campos, mas ambos sabiam que o destino conduzia uma carroça pela estrada de nada...

Imagem: Tiziano Vecellio. Cristo e o bom ladrão. 1566. Pinacotena Nazionale, Bologna.

Um comentário:

Anônimo disse...

bel testo, Vini! abração. Davi