sábado, 5 de novembro de 2011

Sobre cartas impossíveis


Para minha destinatária impossível.

Querida, por pouco cheguei a pensar na sua possibilidade. Puro devaneio, puro devaneio. Aliás, acho que são as minhas cartas puros devaneios sobre sua possibilidade; não pode ser diferente. Acho que nunca cheguei a lhe falar sobre as cartas, não? Pois é, sei que essa história de meta-discursos pode ser algo que a incomode, mas, como não fazer diferente hoje que o dia abre seu azul e me diz as histórias de suas imprudências? Cheguei até mesmo a pensar a respeito da legibilidade da história e no que Benjamin (acho que você não o leu...) dizia sobre o momento de dialética em supensão no qual, por um átimo, a história fulgura diante dos nossos olhos. Acho que é o azul deste dia que suspende suas imagens; aliás, acho que não só o azul deste dia, mas de todo este novembro (o mês pós-revolucionário por excelência), o que dá às minhas retinas suas imagens, possíveis ou, com mais certeza, impossíveis (desculpe-me pelas ambiguidades, mas, fizeram-se necessárias...). Ah, e talvez seja isso que me faça pensar novamente em algo como a sua possibilidade: pura imprudência. Aliás, toda essa história parece ser uma grande imprudência. Não me dou conta de que todo encontro é um desencontro, de que toda conversa com você não passa de grunhidos. Inerte e ativo, no paradoxo da desantenção, quase acreditei na sua presença. Pura falsidade: você está completamente cooptada pela sua inexistência, mas, tolo, às vezes ainda creio na sua existência; parece que não percebo que é apenas imagem no fundo cansado e obscuro das minhas lembranças. É, querida, talvez seja a hora de, tal como os ajudantes kafkianos - os quais, na sua quase invisibilidade, tanto chamavam a atenção de Benjamin -, seguir a viagem alegre e vazia da existência... Peço desculpas pelos delírios (e perdi as contas de quantas vezes já fiz isso), mas era sobre as cartas que gostaria de lhe falar; ora, é sobre o impossível que gostaria de falar, portanto. Mas, como? Não sei, querida, não sei... tudo está tão confuso que chego a pensar que esta carta já tinha sido escrita por alguém, em outro tempo, e que somente a reescrevo, como que ouvindo um ditado vagando pelo ar; ou talvez tenha sido eu mesmo a escrevê-la em outro novembro - e, talvez, você ainda era possível -, mas só agora consigo apreendê-la com palavras. Então vejo que não posso lhe falar sobre as cartas, que não há razão para lhe falar sobre as cartas, e que só você mesma poderá, algum dia (talvez num outro novembro, depois de, também você, prosseguir um tempo na viagem alegre e vazia), perceber quão impossíveis são estas cartas...

Do seu remetente impossível.

p.s.: desculpas pela má qualidade do postal, mas é de um sol de novembro, talvez o mesmo que me iluminava quando ainda não conseguia apreender esta carta...

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