"Quando à saudade vem misturar-se a repulsa, o que então acontece é que vemos situados a uma grande distância os lugares e as pessoas que amamos, e os caminhos para chegar até eles parecem-nos interrompidos e impraticáveis." As palavras do guri que tenta forjar-se como revolucionário talvez sejam marcas do que, nos jogos da memória, pensamos como uma espécie de sentimento de reviver algo por nós jamais vivido. O jovem aspirante a guerrilheiro repudia a si mesmo, e por isso sente o chão se romper juntamente com uma incapacidade de mover-se (paralisia gerada também pela lamentação por uma suposta pureza perdida, isto é, pelo que jamais viveu). No caso do jovem, a tristeza repulsiva que lhe impede o movimento - até mesmo o movimento da saudade - é um fardo a ser carregado, justamente uma tristeza de um ser (ter) coitado. Post coitum animal triste. Sua tristeza advém de sua culpa e da repulsa que sente da própria incapacidade de manter sua pureza de boas memórias. Seu ser coitado outra coisa não é que a manifestação de sua culpa, de saber que pôde entrar no instante ínfimo do gozo e da felicidade sem, entretanto, sair dele com o patético sorriso que nos faz viver o presente sempre com uma ponta de agonia (foi incapaz de perceber a intransigência da finitude). Talvez o jovem sentisse, com sua repulsa, uma espécie de toque da tristeza pós-gozo ou fosse tomado pelo sentimento de perda daquilo que nunca teve (e que, exasperado, declara ser a mistura de saudade e repulsa): a felicidade plena (uma invenção que, portanto, só pode carregar consigo uma medida de repulsão). Tolo jovem! Imagina a persistência da felicidade como delonga, plenitude, salvação ou eternidade. Daí seu martírio e imobilidade diante das lembranças. Ao jogo da memória, ingênuo jovem (e nenhuma ingenuidade é perdoada), não cabe outro papel que o de ser a causa da aproximação entre felicidade e tristeza, entre alegria e agonia, entre saudade e repulsa. Post coitum animal triste não é a percepção da culpa pelos atos passados (que trazem boas lembranças ou repulsas), mas a ponta de dor que todos carregamos nesta perda constante a que chamamos presente. E, paradoxalmente, é nessa dor e perda constantes que está não a plenitude, a eterna alegria divina, mas a possível, banal e corriqueira felicidade dos homens.
Imagem: Francisco de Goya e Lucientes. Ainda aprendo. 1824-1828. Museo del Prado, Madrid.
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