quinta-feira, 24 de maio de 2012

Um vagar prometeico



São os mesmos velhos urubus a circular sobre minha cabeça. Deixam seus rastros sujos na minha memória, esta Babel torneada por mil vozes. Em vão tento compreender os rumores, as vozes, as falas que me vêm desse lugar pisoteado pelos urubus. Passo na primeira banca de filologia barata à procura dos sentidos e sentimentos que são impossíveis de se dizer. Digo as filigranas da memória ou ateio fogo a este emaranhado de placas de silício à espera da fumaça tóxica que pode, talvez, liberar-me disto tudo? Talvez a única possibilidade de compreender estes traços negros que aqui aparecem - e que leio sem entender se são o que queria que fossem - seja abandoná-los ao relento da noite do esquecimento. Mas não lembrar também já é impossível, e agora só posso vagar em meio a estes sinais que remetem uma coisa a outra sem me deixar alternativas. A confusão impera, mas agora os sentidos comprados dos amigos das palavras fazem do meu discurso um colapso. E é angustiante, e é angustiante. Os lapsos se reúnem e já não são capazes de dizer o que não poderia ser dito, os sentidos aleatórios são tocados pelas garras sujas dos urubus, os rumores e sons não me deixam. Malditas vozes de Babel! Tenho vontade de não falar e de tentar impedir o movimento destes traços que, incontroláveis, não me esperam e ignoram minha existência. Mas são eles que me fazem no movimento mesmo em que os faço. Não há fuga possível, não há vontade fora deles, não há senão os rastros daqueles mesmos velhos urubus a circular sobre minha cabeça... 

Imagem: Tiziano. Prometeu Acorrentado. 1548-1549. Museo del Prado, Madrid.

Um comentário:

Anônimo disse...

Somos metade Prometeu, metade Epitemeu...
Assim, encontrar o equilibrio entre a razão e a desrazão, possamos viver em paz com nós mesmo.