quinta-feira, 7 de março de 2013

A necessidade de combater a desumanização operada pelo neocapitalismo


Quais perspectivas o senhor pensa que são oferecidas no futuro próximo à Itália, perspectivas em sentido político, naturalmente?
Tenho dito que sou um político miserável, no sentido estrito da palavra, e que, portanto, o meu juízo é pessoal; poderia dizer que a minha psicologia e o meu modo de ser e sentir me fazem ver, no geral, um futuro obscuro não somente no que diz respeito à Itália, mas à Europa em geral. É um futuro trágico que se pinta diante dos meus olhos, um futuro feito de homens reduzidos a autômatas desumanizados pela sociedade neocapitalista. Acabo por me dar conta de que a minha visão é extremamente pessimista, mas com frequência me desespero com a possibilidade de defender-nos desse perigo.
O senhor pensa que o marxismo esteja à altura de oferecer a única solução a tal problema?
Começo a temer que a solução marxista esteja hoje colocada sine die. Não tanto por que o comunismo não esteja à altura de afrontar e resolver os problemas da sociedade humana, quanto pelo fato de não ter tempestivamente percebido o fato novo e violento da evolução do capitalismo desde a fase imperialista até a moderna e tecnocrata. Hoje, todos nós vemos, certas previsões de Lenin sobre a matéria foram em parte frustradas pela nova situação que está sendo criada (veja a China). Mas há o risco de que o não ter se dado conta no momento oportuno, e o não ter reagido quando ainda era possível, tenha permitido ao antigo capitalismo realizar de modo ileso a própria transformação no assim chamado neocapitalismo e de ser, hoje, quase inatacável. Parece-me, além disso, que o impulso revolucionário que o comunismo tinha, por exemplo, na época da Resistência, tenha sido perdido. Aquela carga e força foram, portanto, grandes ilusões que animaram a Resistência. Mas hoje, de fato, o próprio Khruschchev não dá a impressão de querer agir nos partidos comunistas em sentido revolucionário, e é por isso que só posso aprovar e pensar ser justa a linha política indicada pelo memorandum de Togliatti.
Mas o senhor crê poder reconhecer em outro lugar a existência daquele impulso revolucionário que o partido comunista italiano e também a Rússia teriam perdido?
Sim, poderia talvez dizer que tenho algumas tentações filochinesas, mas, de outro lado, o mundo chinês é para mim completamente desconhecido e de dificilíssima compreensão, infinitamente distante. Assim, também quando digo que aparentemente reconheço neles uma maior ânsia revolucionária, a minha valoração permanece abstrata e, em consequência, também tal tentação filochinesa não pode ser definida um fato concreto. Sem contar que os chineses continuam a se inspirar em Stalin, algo que em absoluto não posso aceitar. Mas, enfim, à parte tais considerações, o que mais me preocupa, na Itália e na Europa, é o não conseguir ver quando e como o neocapitalismo poderá deixar um espaço a uma ação revolucionária.
O senhor pensa na possibilidade de um encontro com outras forças, com os católicos, por exemplo?
É preciso distinguir entre os clérigos e os espíritos verdadeira e autenticamente religiosos. Com estes últimos, com os católicos evangélicos, parece-me que seja possível encontrar um inimigo comum, identificável no materialismo ateu e desumanizador que está na base do neocapitalismo e que é a síntese de tudo o que é condenado pelo Evangelho.
O senhor não crê que ao lado da possiblidade de um encontro desse gênero exista o risco de um outro e muito diverso acordo entre marxismo e catolicismo, isto é, um compromisso voltado à negação da liberdade e ao autoritarismo, duas tendências sempre potencialmente presentes nas duas ideologias?
É verdade que essas tendências existem: os católicos com seu dogmatismo e os comunistas, por uma inversão muito similar, podem ameaçar a liberdade, mas nenhuma negação da liberdade é tão implacável como a que é encarnada pelo capitalismo. Tal capitalismo tão caro, que me perdoem, aos liberais. Daqui nasce provavelmente a minha clara oposição ao liberalismo, a esta ideologia tão típica da burguesia. Porque todos os males do mundo se identificam, para mim, na burguesia, compreendendo naturalmente não o indivíduo singular, mas a classe no seu conjunto e naquilo que ela representa. Uma oposição e uma aversão que nascem em mim, primeiro, de acordo com os esquemas clássicos da doutrina marxista, isto é, como uma oposição à classe que detém todos os privilégios e que luta apenas para defendê-los e para desfrutar e manter subjugada a classe trabalhadora. E, por fim, por uma reação instintiva de burguês desiludido. De fato, deveria dizer que tal reação foi cronologicamente a primeira e que foi sobre ela que depois em mim se consolidou a lição marxista. O ideia, por exemplo, da propriedade privada, que a burguesia e o liberalismo não conseguem e não poderiam jamais renunciar, é, para mim, a matriz de todo o mal da humanidade, daquele egoísmo que está desde sempre na raiz das divisões entre os homens. 
O senhor pensa ser possível modificar a natureza do homem que já está há milênios plasmada por hábitos dessa concepção da sociedade?
Sem dúvidas. Mesmo se naturalmente deverão passar lustros, decênios ou mesmo centenas de anos. Mas creio na possibilidade concreta de tal regeneração. Por exemplo, a sociedade russa pode ter vícios superficiais similares àqueles das sociedades capitalistas, mas não tem aqueles de fundo e constitucionais. É certo que para chegar a isso acontecem grandes sacrifícios e o povo russo, por exemplo, realizou tantos e duríssimos. Mas foram sacrifícios implícitos na escolha revolucionária realizada no início. Foram, portanto, sacrifícios aceitos de modo livre, como quem aceita sacrificar alguns anos da própria vida em vista de um bem a ser atingido.

Pier Paolo Pasolini. La necessità di combattere la disumanizzazione operata dal neocapitalismo. In.: Pier Paolo Pasolini. Saggi sulla politica e sulla società. Milano: Arnoldo Mondadori, 1999 (6ª Ed. 2012). a cura di Walter Siti e Silvia De Laude. pp. 1576-1579. 

A entrevista foi publicada no número VIII do periódico "Energie Nuove", em setembro de 1964 (mês em que foi exibido pela primeira vez o "Evangelho segundo Mateus", na Mostra de Veneza)

Tradução: Vinícius Nicastro Honesko.     

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