E o que foi que os alunos de Amalfitano aprenderam? Aprenderam a recitar em voz alta. Memorizaram os dois ou três poemas de que mais gostavam para recordá-los e recitá-los nos momentos oportunos: funerais, bodas, solidões. Compreenderam que um livro era um labirinto e um deserto. Que o mais importante do mundo era ler e viajar, talvez a mesma coisa, sem nunca parar. Que ao fim da leitura os escritores saíam da alma das pedras, que era onde viviam depois de mortos, e se instalavam na alma dos leitores como numa prisão macia, mas depois essa prisão se ampliava ou explodia. Que todo sistema de escrita é uma traição. Que a poesia verdadeira vive entre o abismo e a desdita e que perto da sua casa passa o caminho real dos atos gratuitos, da elegância dos olhos e da sorte de Macabrú.* Que o principal ensinamento da literatura era a coragem, uma coragem estranha, como um poço de pedra no meio de uma paisagem lacustre, uma coragem semelhante a um turbilhão e a um espelho. Que não era mais cômodo ler do que escrever. Que lendo aprendia a duvidar e recordar. Que a memória era o amor.
* Personagem do romance histórico juvenil Macabrú y la hoguera de hielo (1985), do catalão Emili Teixidor. Macabrú é um jovem que desconhece suas origens, junta-se a um grupo de jograis e, ao fim de inúmeras peripécias, consegue descobrir sua identidade, é filho do célebre trovador Aicart de Carcassone. (NT)
Roberto Bolaño. As agruras do verdadeiro tira. (Los sinsabores del verdadero policía). Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. pp. 144-145. Imagem: Larry Rivers, Redcoats - Mist 1970.
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