quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Pequeno parágrafo sobre o torpor



Nada mais do que o som oco dos seus passos. Era um dia cinza, talvez como seu humor, e, em meio a tantos possíveis pensamentos, apenas o som do nylon de sua jaqueta suada parecia fazer algum sentido. O vento frio, a luz opaca, os rostos inexpressivos da gente que por ele passava; tudo o que talvez pudesse ser dito vivo a ele não era senão os esboços irônicos da morte que há pouco sentira na voz de alguém por quem tanto zelava. Continuava em seus passos; o som do nylon, porém, insistia em dar-lhe notícias do que aparentava ser uma espécie de filme com a história de sua vida. Era estranho, era muito estranho. Lembrou dos comentários que Pasolini certa vez fizera a respeito de seu Édipo rei (esse delírio de autobiografia do poeta): "O cinema - que é uma sequência infinita que reproduz de um único ponto de vista toda a realidade - é fundado assim sobre o tempo: e, por isso, obedece às mesmas regras que a vida: as regras de uma ilusão. Estranho dizer isso, mas tal ilusão, é preciso aceitá-la." Pasolini, de quem tanto gostava, dizia isso sabendo que aquele que evita aceitar a ilusão da própria vida, acaba perdendo a própria realidade. Ora, seu caminhar "cinza" em um dia "cinza" já era algo que, de algum modo, queria alertá-lo sobre o beco sem saída da ficção que é a vida (e lembrar de Pasolini não era um alento?). Não havia - e não há - saída, e então o ruído ensurdecedor daquela jaqueta colocava-o defronte ao vazio da conclamada realidade. Tudo não era senão Ficção. Todos os rostos, o vento frio, a luz opaca, tudo o que ele uma vez pensou ser vida, agora lhe mostrava a única face possível: o torpor, o sonho de uma vida...

Imagem: Piero della Francesca. O sonho de Constantino. Basílica de S. Francesco, Arezzo.

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