quinta-feira, 23 de abril de 2015

Meus bares



quem fará honra a este pequeno asilo que visito em minha noites de tristeza
o boteco da velha portuguesa canto poeirento de outro tempo
um minúsculo lugar dentre vários de uma cidade onde se acotovelam
catorze milhões de pessoas?

quem fará honra ao bar da Iocha
ao telefone de disco da Iocha de onde minha família recebia notícias distantes
(em um tempo em que os orelhões de fichas eram raros nos arrabaldes)
ao balcão de fórmica, ao cheiro do bar da Iocha e seus doces de menduim?

quem fará a honra ao velho bar sem nome da avenida Souza Naves
onde um dia tive uma conta
orgulho de calouro ter uma conta de bar
(feita, na verdade, apenas para eu comer)
sempre paga por meu pai quando passava pela cidade
com o caminhão em busca de fretes
refúgio na estepe destruído para a construção de uma concessionária de automóveis?

olhai, poeta, para os bem-aventurados albergues a qualquer hora
onde se abrigam os nec spe nec metu
fazei honra à pequena fuga
à valência etílica
à única porta iluminada em meio ao nevoeiro da madrugada

pelo nome de Heródoto de Halicarnassus
de Xenofonte, o Espartano
de Paulo Mendes Campos e do sempre menino
Huckleberry Finn
façamos honra ao bares da memória
aos lugares sem honra e sem lugar

à pequena e verdadeira história
suja e sórdida
aos pequenos espaços esquecidos por todos
pouco lembrados mesmo no tempo em que existiam
a todos os seus habitantes
vivos, mortos ou imaginários

meu trago, um brinde

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