sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

minifesto marginália


À Célula de Fogo, brothers in arms

O que impulsiona a escrita? Uma dor. Como as dores do espírito e suas feridas purulentas, da saudade, do medo da morte e do tédio. Um sentimento urgente de expressão, causado pela ira, perplexidade ou tesão. O tremor de que tudo é vasto. Uma febre. Uma insônia. Oscilações nunca registradas pelas bolsas ou sismógrafos. Vastidões. O próprio prazer da escrita, muito ligado a um amor próprio que nem sempre se confunde com vaidade. Afetos que nos atravessam, a escrita é impulsionada por eles, como uma poderosa ignição, porém não se mantém apenas neles. Há um domínio de paciência, de askesis e autocontrole imprescindíveis à escrita, que alguns escritores-professores "sérios" atribuiriam como o único combustível e motor do ato de escrever. Mas nenhuma disciplina sustenta-se em si mesma: a metafísica do ascetismo e das austeridades mesquinhas (típicas dos lugares menos imaginativos e mais fetichistas que o mundo acadêmico produziu: faculdades de filosofia). Não, sem as paixões - a sede do múltiplo - não se pode produzir nada que mereça o nome de literatura. Ou boa escrita. Não é necessário que o autor as tenha vivido, basta que sinta, intensamente. Mergulhar nos imponderáveis de um mundo finito e belo, armado até os dentes com suas únicas armas, "et pia arma ubi nulla nisi in armis spes" (Maquiavel). Nina Brulic bailando nas ruínas de Sarajevo. Vísceras: prefiro mal passadas. O implacável comprometimento com a escrita, menos denso que o ar. Mezcal en Michoacán. Escrita e escuta. Escrita e desprendimento (escrever é como estar morto, antecipar sua própria morte, arabescos com sangue de zumbi). Escrita e o resto indomesticável. Gata de rua fugindo na noite de Valparaíso. Ou de Goiânia. Flâneur benjaminiano na cracolândia de SP. Contra as vadias de batina. Queimar auréolas e solidéus. Escrita-arma-automática. Banditismo literário. Escrita como auto-ficção, auto-indisciplina. Milhares de devires, sentado em uma cadeira, fechado em um aparelho de clandestinidade: garçonnière das Musas sujas. Broma infinita. Lance de dardos. Este papel não serve nem para limpar merda. "Quemen sus porquerías y empiecen a amar hasta que lleguen a los poemas incalculables". Quantos mil toques produzem 2666? Escrita e toque. A escrita é toca.  


Imagem: Nina Brulic dança em meio às ruínas da guerra civil em Sarajevo. 1 de janeiro de 1993. Foto de Kevin Weaver 

Um comentário:

Anônimo disse...

sublime na poética e mundano na temática. incomoda, excita. muito bom como nos velhos tempos na ilha do desterro.