segunda-feira, 4 de abril de 2016

Pequeno parágrafo sobre o lugar



Habitamos o tempo e sentimos o cheiro de nossa vida embolorada, alheia à matéria que compõe o espelho ao qual dirigimos nosso olhar e, ininterruptamente, ousamos dizer eu. A persistente vigília e alguns versos que caem de um livro tomado ao acaso zombam de nossa habitação: "Talvez o persistente trigo esconda um pouco da verdade / Talvez seja de Deus o nosso tempo // E a alegria é uma casa demolida". Seguimos a imagem do tempo, seguimos, portanto, esse eu tentando desmentir a fábula daquele cheiro que há pouco nos nauseava. "É a vida! É a vida!" poderia talvez gritar algum personagem ditirambo, ciente de que do passado o que verdadeiramente importa é o que se esquece. Mas uma luz brilhante nos cega e um verso apenas reverbera enquanto escrevemos o livro de nossas vidas: "a luz do futuro não deixa um só instante de nos ferir."

Imagem: Francis Bacon. 1946 Painting.

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