quinta-feira, 11 de janeiro de 2018

Nota sobre a esquerda gratidão


Apesar dos retrocessos na política institucional, a esquerda gratidão ou cirandeira realmente acredita que está tudo bem. Também foi derrotada de forma vergonhosa, mas mantém um semblante triunfante: a luta contra a cultura patriarcal do assédio, a defesa dos direitos civis de transgêneros, a busca pela igualdade racial e a diversidade são pautas até de Hollywood! Estoicamente cultivam seus jardins (hortas orgânicas) para melhorar o mundo (seu "coletivo"). São os novos "radicais" que engrossam, no Brasil, as alas dos partidos do esquerdismo chique e rico (Psolistas que na hora H são marinistas), com trilha sonora regada a Caetano Veloso (desbunde retrô) e louvadores pacifistas das "jornadas" de 2013. Para muitos membros da esquerda gratidão não houve um golpe em 2016: ao contrário, agora seria o momento, segundo estes, de varrer do país o pmdbismo e seus co-irmãos siameses na política, os tucano-petistas. Como? Com a micareta política em bairros nobres de SP, o bazar alternativo, a performance, o indigenismo acadêmico, o retornar às raízes da cultura popular brasileira. Ou com Boulos, cogitando abandonar um importante movimento de luta política recente no Brasil para assumir as vestes e a máscara como mais um dos candidatos-celebridade à presidência da república. O membro da esquerda gratidão está em um limiar no qual habita o hipster de terreiro - o urbanoide morador de bairros ricos, em cidades da moda, que nunca foi a um quilombo ou um terreiro da periferia, porém se identifica com a "estética" das religiões africanas, como um turista em imersão propiciada por feiras populares – e o consumidor da cultura. Seja na falsa consciência esclarecida do hipster de terreiro ou na estrita velhacaria do consumidor da cultura, a esquerda gratidão compartilha com ambos a capitalização das práticas culturais. A esquerda cirandeira só conhece o vocabulário da superestrutura, e nisso sacraliza e monetiza, ao contrário de politizar, o cultural que tanto preza. A doutrina do “empoderamento”, antes de ser política, é um agenciamento de criação de capital cultural. A esquerda gratidão é facilmente capturada e cooptada pelas coordenadas e pela metafísica do neoliberalismo concorrencial. Seus militantes e intelectuais são os novos estoicos. O estoicismo convive muito bem com o desmoronamento das cidades, com o sangue derramado por ditadores e com a catástrofe. Dos tumultos do período helenístico a Roma, com Sêneca pregando sobre a vida justa enquanto aconselhava Nero e lucrava como usurário, passando pelos novos economistas de "esquerda" filiados em partidos radicais, porém trabalhando para agências de investimento: o estoicismo sempre foi uma ideologia despolitizadora, racionalizadora da apatia, parasitária e contrainsurgente. 

Uma efetiva política radical só se concretiza ao superar o espectro do "cultural" e o fetichismo das hipóstases nele engendradas.      
   

Imagem: show do MTST para a esquerda gratidão, 10 de dezembro de 2017, Largo da Batata, Zona Oeste de SP. 

Nenhum comentário: