Para minha destinatária impossível.
Querida, há anos que lhe escrevo e só agora, bêbado, me dou conta de que cometia um crasso erro. Não há uma impossível destinatária - você, como impossível -, mas impossíveis destinatárias. Só agora percebo o quanto de você estava solto por todos os vocês que insistimos (?!) em falar. A impossibilidade é absoluta (palavra doentia), e, com isso, todo destino torna-se plural, assim como você. Os mapas que tracei e que traço, talvez em derradeira tentativa, são como a estranha fruta que Nina Simone sopra em meus ouvidos: impossíveis e destituídos de limites. Mas o que é um mapa sem o non plus ultra, sem a determinação do não ir além, do parar antes do tocar, do ser lido antes da peregrinação? Querida, sinto que você não é senão uma das vozes em meio à multidão barulhenta que habita minhas horas de silêncio. A impossibilidade nos une no momento exato em que todo nó é cortado, em que toda imagem parece acompanhar a fumaça do meu último cigarro. São apenas vozes, querida, vozes cujos traços mnemônicos - essa maldição à qual os homens se confiaram, as letras - marcam este espaço em branco, estas lembranças de coisa nenhuma que são nossas cartas. Desenho agora um esboço do modo como vocês - é, já me é impossível dizê-la; só me resta dizer-lhes - se mostram no plus ultra que vislumbro apenas de relance. E é difícil não tentar apagar este mapa, não tentar borrá-lo para lançar-me na indeterminação, no espaço jamais cartografado dos nossos encontros. Talvez jamais nos vejamos, talvez apenas construamos uma engenhoca de palavras que nos lance à beira-mar, onde Murilo Mendes espera notícias de si mesmo. Mas, mesmo assim, insistiria em tocar suas bordas, seus cantos imprevisíveis, suas vozes que jamais ouvirei, seus sorrisos impossíveis e, por isso, tão sublimes. Mesmo com nossas impossibilidades (algo como o inconstante monólogo que produzo com suas vozes), talvez jamais deixe de cartografar, querida; talvez nunca pare de tentar escutar ao menos os ecos de sua voz, a única coisa que porventura se faz possível nesse emaranhado de mapas. Eco, ecco... o italiano, esse além-mar de nossos incomunicáveis, parece querer me trapacear: eis aqui e distância; imediatez e retorno; não há mais sentidos imediatos que possam significar essas minhas missivas, querida. E, assim, mapeando meus sonhos, me despeço com um adeus impossível de remeter a qualquer deus, mas que insiste nas suas (e que fique a ambiguidade) ausências e impossibilidades.
Do seu remetente impossível.
p.s.: não perco o costume de lhe enviar imagens aleatórias que, como essas cartas, são apenas águas de um rio para nenhum lugar... ademais, são as cadeiras vazias de uma conversa impossível...
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